Débora Matos: O rosto negro da Coca-Cola Brasil
Páginas Pretas Por Maurício Pestana
Quem passa por Debora Mattos mulher negra, carioca, jamais imagina que por trás desta mulher de hábitos simples como cuidar do cachorro, marido e casa, está a economista débora Mattos formada pela universidade federal do rio de janeiro com especialização no exterior e hoje a executiva de maior envergadura na coca-cola brasil. um pouco sobre a história desta mulher desponta como uma das maiores executivas negras no brasil é que você vai ficar sabendo nesta entrevista exclusiva da RAÇA.
Executiva e de grande prestígio como é o seu cotidiano?
Hoje estou casada, tenho um cachorrinho, não temos filhos ainda, então nosso filhinho é um pastorzinho que se chama Salaminho. A gente fala que onde nós três estamos é o nosso lar, meu marido é o Roger, ele faz doutorado na USP e é bom que até equilibra aqui em casa, temos um acadêmico e o corporativo. Eu sou economista, formada pela UFRJ, fiz um intercâmbio de um ano e meio em Lisboa, . Assim que eu voltei de Lisboa, a AMBEV estava procurando uma pessoa para ocupar a vaga de trainee e recebi a informação através de uma amiga que trabalhava lá e foi assim que comecei minha vida no mundo corporativo.
Interessante você falar isso pois o programa da AMBEV com foco na inclusão de negros e negras são recente, de poucos anos para cá, como foi sua passagem por lá, antes mesmo desses programas?
Uma coisa muito interessante foi que lá eu pude crescer bastante, passei por diversas áreas diferentes, várias diretorias, várias áreas; eu sempre fui uma pessoa muito curiosa, se eu tivesse que me definir diria que sou uma pessoa que gosta de desbravar terras desconhecidas.
Então, lá eu trabalhei na logística, em planejamentos, finanças, uma série de áreas. Só que sempre tive uma vontade muito grande de estudar fora do Brasil, não fazer só o intercâmbio como eu tinha feito. Então, pedI demissão da AMBEV, com intuito de aprofundar o meu conhecimento em estratégias de desenvolvimento de países, políticas públicas e tudo mais, e aí foi isso que eu fiz, pedi demissão, passei no mestrado da UFRJ de políticas públicas de estratégias de desenvolvimento e fui fazer o intercâmbio na universidade Duque lá nos Estados Unidos, na Carolina do Norte.
Quanto tempo você ficou nos Estados Unidos?
Fiquei por 6 meses, estudei a economia institucionalista de fusão das tecnologias mais limpas e quando voltei eu falei: “eu gosto do mundo corporativo, gosto da agitação e do ritmo do mundo corporativo e aí eu falei bom, vou voltar, né”.
Vi que estavam procurando na Daesung, que era para criar uma nova área na empresa e o meu conhecimento tinha tudo a ver com o que eles precisavam, fiz a entrevista, passei e foi muito bom, fiquei por três anos mais ou menos e foi quando a Coca-Cola me encontrou através do Linkedin, me ligaram, estavam precisando de alguém para a área de finanças.
E como foi sua trajetória aqui na coca-cola? Sabemos que não é fácil a ascensão de negros e negras no mundo corporativo.
Isso é verdade, assim que pude, no primeiro movimento que teve aqui eu fui para a área de operações que é a área mais próxima que a gente tem hoje de ponto de venda aqui na Coca-Cola, porque a gente lida diretamente com o fabricante, esse é o modelo de negócios da Coca. Temos nove fabricantes no Brasil e a gente tem uma área que lida diretamente com esses fabricantes para garantir que a nossa estratégia vá descer para o ponto de vendas. Então, cuidei de tudo o que era não carbonatado na época e lancei grandes inovações aqui, por exemplo, Crystal Sabores, Ades Sementes, coco amêndoas, né, que a gente chama, eu que lancei, foi bem interessante esse momento, e logo depois de dois anos, migrei para a diretoria de refrigerantes.
Mulher, jovem e negra como foi ingressar para uma área de diretoria em uma multinacional com o poderio da Coca-Cola?
Um desafio, assumi esse posto também como líder da Franquia, mas agora olhando todos os refrigerantes e aí fiquei um ano e meio, mais ou menos, e foi interessante porque a gente entra naquela disposição, cheia de sonhos, uma tela em branco e aí veio a COVID-19 e eu costumo brincar que eu fui a diretora de franquias aqui dentro desse quarto aqui, que é onde nós todos, que podíamos, ficamos isolados, mas mesmo assim aprendi muito, foi incrível assim, acho que me deu um conhecimento ainda mais profundo e, há cerca de 4 meses, o Henrique Brown que é o presidente da América Latina, me convidou para ser a chefe de gabinete dele, como pessoa de confiança, e aí estou nessa jornada, é uma vaga com um aprendizado gigante. Se antes eu olhava uma parte do business, hoje eu olho todo o business, desde comunicação, passando por finanças, passando por estratégias, indo para execução em pontos de venda. Para mim está sendo um momento de aprendizado muito grande e estou bem feliz de estar nesse lugar agora.
Somos mais de 100 milhões de negros e negras neste país que é o segundo maior país negro fora da áfrica, talvez não tenhamos nem meia dúzia de mulheres negras na sua posição, como você vê isso?
Sim basta olhar para o que temos hoje no Brasil inteiro de mulheres e negras especificamente em cargos de liderança, somos poucas ainda; por isso eu me vejo nesse caminho e quase que nessa responsabilidade de ser essa precursora, de abrir caminhos para essas pessoas que estão cada vez mais chegando nesses cargos e também entrando agora nesse mundo corporativo. Para mim isso é muito forte e entender como eu me dei conta desse meu papel, eu sempre conto essa história porque ela foi realmente um divisor de águas.
Quando se deu conta da importância dessa sua representatividade?
Foi aqui na Coca-Cola e sempre me emociono quando eu falo sobre ela, foi na primeira turma de jovens aprendizes aqui na coca. Hoje a turma de jovens aprendizes é 100% negra, mas naquela época era 96% negra e aí um dia eles me chamaram, eu era a gerente sênior ainda, tinha acabado de entrar, só seis meses, e eles me chamaram para conversar; fiquei até me questionando porque eu tinha acabado de chegar, fiquei na dúvida sobre o que falar, mas eles disseram que queriam ouvir um pouco da minha história. Então aceitei, mas me peguei com a síndrome de impostora, da mulher, de dizer tipo “poxa eu não sou boa o suficiente para que vocês queiram ouvir de mim alguma coisa, mas aí eu aceitei e fui lá conversar com eles.”
E como foi essa conversa?
Quando eles me viram eles falavam assim: os jovens falam até hoje “eu me lembro do dia que eu vi a Débora na fila do refeitório” ou “lembro da primeira vez que eu vi a Débora, o cabelo da Débora” e eu falava assim: gente, olha o impacto que eu causo na vida das pessoas e foi naquele momento que eu realmente me vi nos olhos deles, porque eu não me enxergava nesse lugar. Eu sei que eu sou privilegiada, eu falo por um monte, mas a minha história particular é de privilégio, porque eu tive acesso a ótimas histórias sempre, eu fiz curso de línguas, então a minha história única é uma história de privilégio, só que eu tenho muito forte o UBUNTU, né, eu sei que eu represento um todo e esse sentimento do Ubuntu eu acho que foi a primeira vez que eu senti naquele lugar, eu percebi que eu representava algo muito maior e hoje eu me vejo com esse papel de fazer outras mais iguais ascenderem e de se sentirem à vontade para se colocarem e eu não quero estar sozinha.
Como você vê a discussão sobre a presença de negros e negras no mundo corporativo?
Eu acho que a discussão, desde quando eu entrei para agora melhorou, nós temos coragem de discutir isso hoje, existem fóruns e painéis, mas antigamente isso nem era um tema, não era um assunto. Eu acho que evoluiu substancialmente, mais do que isso, eu acho que nenhuma empresa hoje consegue se enxergar não tendo essa pauta da diversidade muito viva, tanto internamente, até porque ela tem que atender externamente esse consumidor que é um consumidor diverso. Percebo que todas as empresas tomaram consciência da importância da diversidade e assim eu posso falar até pela coca mesmo. A gente tem isso muito forte, temos muita clareza que essa diversidade de pensamentos, de pessoas e de origens é o que faz com que a gente tenha essa segurança para inovar. Hoje tem uma série de ações de recrutamento que a gente faz, para conseguir garantir maior representatividade dentro da coca. Hoje é uma pauta que a empresas em geral já não podem não ver, porque isso também é uma oportunidade de negócios, não é porque é bonzinho, é o certo a ser feito porque queremos impactar positivamente a sociedade, mas também porque é bom para o negócio, você só não olha para isso se você quer perder oportunidades, sabe?
Muitas empresas ainda alegam a dificuldade de encontrar o profissional negro, como você vê isso?
De maneira geral as empresas têm que entender que você tem que procurar no lugar certo, talentos negros existem, estão aí, o que a gente precisa é ter consultorias sérias com agentes que tenham uma curadoria de talentos muito bem organizada, para ajudar a realmente conseguir colocar essas pessoas no corpo de associados. Você vê que no nosso caso, a gente está com uma consultoria séria, fazendo esse tipo de ação de representatividade, estamos revendo agora e assim a reconhecemos que ainda não está lá,
mas eu acho que tem uma série de ações de revisão de políticas de recrutamento, que a gente pode fazer, sim, e que pode conseguir identificar essas pessoas e trazer pro quadro e eu acho que também a gente sempre fala de ter cada vez mais pessoas diversas com o poder da caneta.
Quando a gente olha pelos dados do Instituto Ethos, estão lá 4.6 de diretores negros, o número de mulheres é muitíssimo baixo, mulheres negras são quase inexistentes. Quando você olha para esta pesquisa, entende-se a necessidade de trazer essas pessoas para esse lugar de tomada de decisão e conseguirmos influências na tomada de decisão. É muito importante a parte de conscientização da liderança, sim, mas é muito importante ter essas pessoas diversas atuando e tendo espaço para colocar a sua voz e influenciar nessa tomada de decisão, esse é um ponto importante que deve ser acelerado.
Perspectivas futuras para o mercado:
Eu sou uma esperançosa, penso sempre positivo para o que vai acontecer e acho que a gente tem um ganho na agenda e as pessoas estão comentando sobre isso. Você vê movimentos no Brasil, nos EUA, das pessoas falando e protestando. É um caminho que graças a Deus tem volta. A tendência que eu vejo para frente é uma tendência de melhora; cada vez mais vemos pessoas negras alçando, estando nesse espaço de decisão, advogando e sendo muito vocais em relação à agenda e conseguindo abrir caminhos e oportunidades para outras iguais. Eu sou otimista, acho que cada vez mais a gente vai acelerar a agenda e conseguir mais pessoas nesses lugares.
Dica de sucesso para a juventude:
Eu sou terrível comigo mesma, de cobrança, né, eu falaria relaxa! Aproveite a jornada porque é a jornada que faz com que você aprenda e tenha coragem, coragem de ser a diferente nos espaços de poder que você ocupa, coragem de se expor e de se colocar. Por muito tempo eu fui diferente e tive medo, mas o crédito é da pessoa que está na arena, você já é.