Documentário sobre Mestre Moa fala de saudade, cultura afro-brasileira e intolerância

documentário “Mestre Moa do Katendê: A primeira vítima” foi produzido logo depois que Romualdo Rosário da Costa, o Mestre Moa, foi assassinado brutalmente na madrugada após o primeiro turno das eleições presidenciais. Ele foi atingido por 12 facadas pelas costas e não resistiu.

O ataque foi motivado por uma discussão política, na qual Mestre Moa declarou ter votado em Fernando Haddad (PT). Apoiador do candidato eleito Jair Bolsonaro (PSL), Paulo Sérgio Ferreira de Santana discutiu com o capoeirista e foi embora, mas voltou em seguida armado com uma faca e o atacou. A polícia o encontrou escondido em casa e Paulo Sérgio foi preso.

No mesmo dia do assassinato, o documentarista Carlos Pronzato foi convidado pela Associação Brasileira de Capoeira Angola, pelo Conselho Gestor da Salvaguarda da Capoeira na Bahia e pelo Coletivo Ginga de Angola a dirigir um documentário sobre Mestre Moa, que contou com apoio do Sindae (Sindicato dos Trabalhadores em Água e Esgoto no Estado da Bahia).

“A ideia era finalizar o filme antes mesmo do segundo turno para mostrar o aspecto político do assassinato e ao mesmo tempo apresentar o trabalho de resistência cultural do Mestre Moa”, explica Pronzato, que montou o documentário de 46 minutos em 14 dias, deixou o material disponível e passou a fazer exibições públicas para gerar um debate sobre o risco.

O documentário começa contextualizando o momento do crime, com trechos de “Isto não é um Poema”, a poesia-manifesto feita pelo cantor e poeta Arnaldo Antunes, destacando a violência presente no discurso de Jair Bolsonaro, o candidato do assassino.

O aspecto político é reforçado em diversas declarações feitas logo depois do crime. Foram mais de 30 entrevistas com familiares, representantes da cultura afro-baiana e do movimento negro, além da cobertura de atos realizados nos dias que sucederam o crime e de algumas cenas de arquivo com Mestre Moa. A indubitável importância cultural de Mestre Moa também está presente no filme, mas o aspecto político é destacado.

Desde a finalização da obra, Pronzato tem feito exibições públicas no Brasil para gerar um debate sobre o crime e o preocupante cenário para o futuro do país. Na última quinta-feira (6/12), o documentarista fez o primeiro cine-debate em São Paulo e escolheu o Centro de Capoeira Angola Angoleiro Sim Sinhô, a casa de Mestre Moa na capital paulista.

A exibição diante de tantos amigos de Mestre Moa trouxe memórias, abriu feridas e muitos trechos do documentário impactaram os presentes. Alguns choraram, outros nem conseguiram ver o longa até o final. Após o filme, um silêncio ensurdecedor surpreendeu Pronzato e não havia clima ou necessidade de debate.

“É difícil mesmo, pessoal. Aqui é a casa de Mestre Moa e a gente tem uma ligação muito estreita com ele. Desde 1988, vários projetos… Eu tinha visto pedaços do documentário, mas para mim ele ainda está próximo, aqui, ele viajava muito. Eu não consigo ver que o Mestre Moa foi embora. Realmente é pesado”, resumiu Mestre Plínio, depois de o silêncio ter sido interrompido pelo diretor do filme.

“Entendo o silêncio porque muitas pessoas conviveram com ele, mas é bom ver que está sendo reconhecido e para a gente ter essa consciência de que ele nos deixou a responsabilidade de continuar com essa história, com o Afoxé, os Amigos do Katendê aqui e pelo mundo, como ele vinha fazendo”, completou o capoeirista, antes de agradecer o reconhecimento de Pronzato por escolher o CCAASS para a exibição pública do filme em São Paulo.

“Ao mesmo tempo que é importante como documento, é pesado para quem conviveu com ele. O silêncio diz muito”, acrescentou Mestre Zelão, da Escola Mutungo de Capoeira Angola, também presente no evento, que foi seguido da tradicional roda de capoeira, que ocorre toda quinta na sede do Angoleiro Sim Sinhô.

Após a capoeira, Mestre Plínio reforçou a necessidade de manter vivo o legado de Mestre Moa, agradeceu pela presença de todos e ofereceu a palavra a José Adão, um dos fundadores do Movimento Negro Unificado. O líder do MNU resumiu a sensação deixada com a morte de Mestre Moa do Katendê, citando um ensinamento do Mestre Yeshuá: “Os que tombam pela verdade para nós permanecem em pé”.

Moa Vive.

Raiz Afro Mãe, o Afoxé de Mostre Moa

 

Além desse documentário feito às pressas no calor dos acontecimentos e lançado antes ainda do segundo turno da eleições presidenciais, que transformou o Mestre Moa em símbolo de resistência à intolerância, um filme completo com a obra do capoeirista está sendo produzido para mostrar ainda mais sobre este ícone da cultura popular afro, que além de músico, compositor, dançarino, mestre de capoeira e artesão, era educador e ativista cultural.

Os diretores dessa nova película, intitulada “Raiz Afro Mãe, o Afoxé de Mostre Moa”, já vinham realizando gravações com Mestre Moa desde o início do ano e contam com mais de três horas de entrevistas exclusivas e gravações inéditas de suas músicas em estúdio.

Mestre Moa, inclusive, tinha voltado ao Brasil pouco antes de ser assassinado e estava participando de mais gravações para o filme. Depois do crime, o projeto seguiu.

Artistas como Chico César, Vovô do Ilê e Luedji Luna já deram entrevistas e há ainda mais material a ser gravado, especialmente até o Carnaval de 2019, quando o Mestre Moa será o tema principal da festa momesca da Bahia e receberá várias homenagens.

Depois de finalizar as gravações ainda haverá o trabalho de edição e finalização para que o filme chegue aos cinemas em outubro de 2019, paralelamente ao lançamento de um disco e da fundação do Instituto Mestre Moa, que também já vinha sendo construído.

Entretanto, para realizar as ações projetos, os idealizadores precisam de recursos e abriram um financiamento coletivo no Catarse, que vai até dia 18 de janeiro.

 

Fonte: Ponte

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