E nós (negros/as) para onde vamos?

As eleições municipais estão se encerrando e a semana da Consciência Negra 2020, começando. Tivemos um número expressivo de candidatos/as negros/as, aos vários cargos eletivos. Pela primeira vez superamos o número de candidatos brancos – 49,9% contra 47,8%. Em algumas cidades improváveis, tivemos eleitos/as improváveis, a exemplo de Governador Valadares/MG, Campinas/SP, Porto Alegre/RS, Belém/PA, onde, principalmente mulheres negras e trans elegeram-se com votações expressivas, indicando que algo está mudando positivamente no eleitorado brasileiro.

Outras indagações também aparecem quando aprofundamos a análise, do tipo: Quais alterações esses números e essas votações provocaram na agenda política municipal do país quanto a questão racial? E os eleitos/as, expressam o desejo de igualdade que tanto o movimento negro clama? E para 2022, temos alguma perspectiva positiva de ampliação dessas mudanças?

É importante perceber que está havendo um forte deslocamento político no país, em direção a centro/direita. Parece, e isto é salutar, que o boom da extrema direita, simbolizada na eleição do último Presidente da República não se consolidou e que a população busca alternativas no campo democrático para contê-la. E ao que tudo indica, a velha conciliação das elites brasileiras, voltam ao cenário com as adaptações e adequações que a realidade exige.

Claro que a eleição de Joe Biden/Kamalla Harris, nos Estados Unidos, tem a ver com parte do que está ocorrendo no Brasil, assim como a campanha mundial “Vidas Negras Importam”, que impactou a população não negra de forma marcante. Mas não é só isso.

Neste sentido, não deixa de nos surpreender que o 5º vereador mais votado de São Paulo, seja um negro que possui uma agenda extremamente conservadora e negacionista. E mais surpreendente ainda, ao menos para os desavisados que não acompanham a complexidade da relação entre a política partidária e a questão racial, é o que ocorreu na cidade do Salvador/Ba.

Conhecida como a Roma Negra dos trópicos, Salvador possui uma hegemonia quase que absoluta no campo cultural, mas que não se traduz no campo da política. Com três candidaturas negras (duas no campo da esquerda e uma no campo evangélico/direita), a cidade mais negra fora do continente africano, elegeu uma dupla de brancos (com mais de 60% dos votos) e uma expressiva bancada de vereadores/as negros/as evangélicos extremamente conservadores.

Portanto, não faltam motivos para que o movimento negro se debruce, analise, reflita e tire suas conclusões nos reposicionando no cenário político brasileiro. O desenho que se apresenta nas eleições municipais de 2020, parece ser uma prévia, mantida as devidas proporções, do que ocorrerá em 2022. E quem não fizer a leitura correta dos anseios que afligem a população brasileira como um todo, vai ficar falando no vazio.
No meu entender, somente a pauta identitária que o movimento negro apresenta é insuficiente para compreender, agregar e propor alternativas mais profundas para a sociedade brasileira. Será preciso meter a mão na massa. Sair dessa postura pueril radical e participarmos como gente grande na grande política. Apresentar uma agenda factível e buscar articulações com outros setores da sociedade, particularmente os não negros.

Dialogar com empresários e empresas, partidos políticos e grupos corporativos comprometidos com a democracia, assim como com movimentos sociais que tenham bandeiras em comum, é um imperativo e não uma possibilidade. Temos que sair do isolamento e recuperar a iniciativa em propor coisas que incorporem a sociedade como um todo. Chega de isolacionismo e ingenuidade.

Ou nós encontramos um caminho para essa travessia, tendo a democracia como ponte, ou estaremos fadados a mais uma vez servirmos de massa de manobra para os interesses da elite brasileira. Enfim, fazer política e se articular politicamente consolidar nossas conquistas e o avançar com novas demandas.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

*Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da RAÇA, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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