Entrevista exclusiva com o jogador francês Lilian Thuram
Em entrevista exclusiva o jogador francês explica a sua luta contra o racismo
Texto: Maurício Pestana / Emanuele Sanuto | Foto: Divulgação | Adaptação Web Sara Loup
Lilian Thuram ficou marcado como um zagueiro técnico e de grande vigor físico, mas a sua força não se restringiu apenas aos gramados. Em 2008, criou a Fondation Lilian Thuram, Éducation contre le racisme, fundação que combate o racismo. O ex-jogador acredita que o racismo é uma construção intelectual e, sobretudo, política. “É importante que percebamos como os preconceitos foram criados para que os possamos destruir. As nossas sociedades devem compreender,porém, a simples ideia de que a cor da pele ou o sexo de uma pessoa não definem a sua inteligência, a sua língua, a religião praticada, as capacidades físicas, nem o que gosta ou detesta”.
Veja a entrevista que a Raça Brasil fez com Thuram:
Raça Brasil: Ser o jogador que mais vestiu a camisa da França não é para qualquer um. Como é carregar esse titulo, sendo negro em um país que tem vivenciado muitas manifestações de racismo, sobretudo no futebol?
Thuram: Eu nasci nas Antilhas. As Antilhas são francesas, logo não deveria haver dúvidas quanto à minha nacionalidade. Mas é verdade que quando estamos na França e no continente europeu, tentamos ensinar às crianças negras, de maneira geral, que elas têm pais de origem africana. Não existe nenhuma ligação entre a cor da pele de uma pessoa e a sua nacionalidade, por isso tento me colocar de uma forma que eu não esqueça as minhas origens.
RB: Você foi um jogador de sucesso na Europa, porém resolveu fazer algo que o diferencia da maioria, usar seu nome e prestigio na luta antirracista.O que o levou a enfrentar o racismo?
Thuram: Após uma constatação que fiz quando tinha nove anos de idade,já começou a minha luta. Naquela época existia um desenho animado na França que mostrava duas vaquinhas, uma preta, muito burrinha e uma vaquinha branca, muito inteligente. Os meus amiguinhos naquela época começaram a me chamar pelo nome da vaquinha preta, e a partir dali comecei a me questionar sobre as razões dessa imagem negativa dos negros. Compreendi que ela era relacionada com a imagem da escravidão e com políticos brancos, que construíram a inferioridade das pessoas negras para melhor explorá-las. Eu compreendi que os negros nunca tiveram problemas, o que aconteceu é que nos disseram que tínhamos problemas.
RB:O que você acha que precisa ser feito para coibir as manifestações de racismo no futebol?
Thuram: Acho que a primeira coisa a fazer é ensinar aqueles que podem ser vítimas do racismo que não há nenhum problema com eles. O trabalho que pode ser feito nesse sentido é muito mais fácil do que tentarmos mudar a mentalidade das pessoas, as fazendo pensar que não são racistas. O dia em que as crianças não tiverem nenhuma dúvida quanto ao fato de que somos todos diferentes, mas iguais ao mesmo tempo, terão orgulho de si mesmas e da história de suas famílias. Acho que podemos educar os racistas se adotarmos uma boa atitude, e a atitude correta é a de ter orgulho e avançar na vida, independentemente das barreiras que possam ser levantadas na sua frente.
RB: Quais têm sido as estratégias da sua fundação no combate ao racismo?
Thuram: Uma estratégia consiste em tentar reunir todos os conhecimentos históricos, científicos, sociológicos e psicológicos para conseguir fazer a reflexão em torno do racismo da maneira mais inteligente possível, implantando ferramentas pedagógicas para trabalhar nas escolas com as crianças, para que possamos também eliminar o preconceito dos próprios professores. A estratégia também envolve o mundo cultural,para que cada um de nós consiga compreender o mecanismo do racismo, porque é impossível superar o problema se você não tem compreensão do passado. A primeira coisa que os pais devem fazer é dizer para os filhos que não tem nenhum problema com eles, é essencial. Precisam alertar os filhos que irão encontrar pessoas que vão duvidar de suas capacidades por causa da cor da pele. Na verdade, são essas pessoas que têm o problema, então é preciso estar preparado, com orgulho próprio. Esse tem sido o nosso caminho.
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