Estudo com foco da superação: João Antônio

Por: Maurício Pestana

[TEXTO EDIÇÃO 224]

Quando iniciamos a sessão Páginas Pretas, há mais de dez anos, o intuito sempre foi de colocar neste espaço da revista RAÇA homens, mulheres, pretos ou brancos, brasileiros ou de outras nacionalidades, enfim, não nos importando com cor, raça, nacionalidade, sexualidade condição social ou intelectual dos entrevistados; para
nós o mais importante era a contribuição do entrevistado para a causa da questão racial no Brasil e no mundo. Por essas páginas já passaram dois ex-presidentes da República do Brasil, como também CEOs, deputados, senadores, reitores de universidades, intelectuais das maiores magnitudes. Nosso entrevistado, embora não tenha nenhum desses títulos apresentados, para nós tem o maior e mais importante título que um ser humano pode ter, a Resiliência, a vontade, o instinto de superação. Sua história, por si própria, é uma contribuição imensurável para aqueles que pouca ou nenhuma oportunidade tiveram na vida e possam ver que nunca é tarde para o estudo, a superação e o sucesso. Com vocês, João Antônio.

João, me conta um pouco sua história de vida.

Somos em quatro irmãos, eu e mais três, duas meninas mais novas que eu e meu irmão mais velho. Minha mãe saía para trabalhar de manhã cedo e só voltava para casa de noite, sempre lutou bastante para criar eu os meus irmãos, porque ela era sozinha para criar a gente, porque meu pai faleceu quando eu tinha quatro anos de idade. Então me lembro que quando meu pai faleceu, foi só ela pra criar nós quatro, ela saía de casa 06:30h da manhã e entrava em casa às 21h da noite e mesmo assim quando chegava em casa, se tivesse alguma coisa pra fazer ia fazer, o que a gente podia fazer durante o dia para ajudar a gente fazia, mas o que não dava pra gente fazer ela sempre dava conta e foi sempre nesse exemplo assim que a gente se espelhou.

Como e quando começou sua luta para estudar?

Estudei até o quarto período, mas por problemas financeiros fui obrigado a parar, na época o salário não era muito bom, não tinha condições de arcar com despesas de casa e faculdade, então fui obrigado a parar em 2001 e entrei para trabalhar na prefeitura de Vassouras na coleta de lixo e fazendo trabalhos por fora para poder complementar a renda e poder arcar com tudo, uma vida bastante difícil, mas nunca deixei o sonho de voltar a estudar.

E quando você resolveu retomar o sonho, teve muita dificuldade?

Eu fiquei treze anos sem estudar, tinha algumas matérias que eu já tinha esquecido. Aí, optei por fazer o curso, começar do início de novo porque eu tinha ficado muito tempo sem estudar e o estudo a gente sabe que ele é constante, tem sempre uma coisa nova surgindo; então, eu preferi fazer de novo porque tinha muita coisa que eu não lembrava, tinha muita coisa nova que já tinha surgido que eu não tinha aprendido na época, então acabei optando por fazer o curso completo.

E como foi seu interesse em fazer o curso de Engenharia Química, um curso difícil e disputado na universidade de Vassouras, que é referência no estado do Rio de Janeiro?

É um curso que só abre uma vez por ano, as outras engenharias abrem duas turmas todo ano, a cada período abre uma turma, o de Engenharia Química só abre uma turma todo ano, então as vagas acabam sendo mais disputadas e a grade curricular também é bastante puxada. Eu comecei no curso de Química Industrial em 2003, cheguei a fazer até o quarto período, mas por problemas financeiros fui obrigado a parar, na época o salário não era muito bom, não tinha condições de arcar com despesas de casa e faculdade, então fui obrigado a parar. Mas nunca deixei a chama da vontade de estudar apagar dentro de mim, aliás sentia uma certa tristeza e uma vontade muito grande de voltar a estudar, mas não tinha condições de fazê-lo, o salário de coletor de lixo mais as outras necessidades me impediam de retornar àquele meu objetivo.

E como fez, o que o impulsionou a voltar a estudar, como foi essa volta?

Voltei mais de dez anos depois, em 2016; quando eu voltei, já tinha o curso de Engenharia Química e foi
quando eu comecei a fazer o curso, sempre trabalhando e estudando pra poder cumprir com todas as obrigações. Ainda estava no mesmo trabalho desde 2001, na prefeitura, na coleta de lixo e fazendo trabalhos por fora para poder complementar a renda e poder arcar com tudo, estudo, despesa de casa, aluguel, esse tipo de coisas, ou seja, as coisas não haviam mudado muito a não ser a vontade que nunca cessou de voltar a estudar. Então, trabalhava na coleta de lixo, saía e ia fazer biscate em obra, depois saía e ia estudar, geralmente a minha rotina era de 05:30h da manhã até às 17h da tarde trabalhando, depois chegava em casa, tomava um banho e ia pra faculdade.

Qual foi a maior dificuldade com que você se deparou nessa sua volta?

A maior dificuldade quando eu voltei foi a de sempre: conciliar trabalho e estudo porque pra pessoa que trabalha oito ou mais horas por dia já fica complicado, então imagina você acordar 04:30h da manhã pra 05:30h já estar trabalhando, depois chegar em casa 17h, tomar um banho e ir pra faculdade, depois ainda tem trabalho pra entregar, exercício pra revisar, então, geralmente isso ia até 1h da manhã. Acabei ficando sem tempo pra descansar, durante os 05 anos de curso, mas valeu a pena. Eu consegui realizar um sonho que sempre foi me formar nessa área e com um grau de dificuldade também, porque mesmo sem ter me formado com médias muito altas, como alguns colegas de classe, também não fiquei numa média assim tão inferior; então consegui acompanhar a mesma média de outros alunos que tinham mais disponibilidade de tempo pra estudar, isso é bastante gratificante porque você percebe que seu esforço valeu a pena, não foi em vão.

Se tivesse que dar um conselho para essa meninada que hoje encontra só dificuldade na vida, o que você diria?

Não desistir, obstáculos e dificuldades sempre vão existir, mas o que a gente pode fazer é seguir em frente. A frase que eu sempre ouço e repito é: “o não a gente já tem, então a gente precisa arregaçar a manga e ir em busca do sim, porque se a gente ficar esperando, a resposta vai ser sempre a mesma”; se a gente não fizer por onde e mudar essa realidade, a gente nunca vai conseguir alcançar nada, então o conselho é este: sempre persistir e não se entregar logo no primeiro obstáculo, porque se eu tivesse desistido no primeiro momento que tive que parar, eu não teria realizado, mesmo demorando 13 anos pra conseguir, então independente do tempo que possa levar para você alcançar aquilo que você quer, o importante é ter um foco no seu objetivo, ir à luta e
não desistir com as dificuldades que possam aparecer no meio do caminho. Não importa a classe social, a
cor, a raça, não meça a vida pela régua dos outros, não fique se comparando, sabemos que para nós as coisas
são mais difíceis, mas tudo tem seu tempo, o importante é não desistir. Se temos que trabalhar, tirar o pão de cada dia e só pode tirar meia hora para estudar pra fazer uma prova, é fazer isso e buscar sempre evoluir a cada dia. É importante saber que o que nos define não é a nota que a gente tira e sim o que a gente aprende e como a gente vai aplicar, é o exemplo que a gente tem, seja dentro de casa, seja com amigos ou artistas que a gente admira e seguir em frente.

Você começou a entrevista falando de sua mãe. Como ela deve se orgulhar de você hoje!

A vida é uma caixinha de surpresa e infelizmente em 2016 eu a perdi por um câncer no estômago, o que me
incentivou ainda mais a continuar seguindo em frente para realizar este sonho de estudar e me formar, que também era o sonho dela. Foi lindo no dia da minha formatura poder fazer essa homenagem a ela, para,
independentemente de onde ela estivesse, ela pudesse ter certeza de que eu continuei seguindo o caminho, consegui realizar o que eu sonhava e fazer o que ela me pediu pra eu fazer, enfim, fazer a coisa certa.

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