Flip 2017: curadora fala de aumento de negros no público e diretor cita orçamento: ‘R$ 1 milhão a menos’
Em coletiva, Joselia Aguiar disse que diversidade do público deve servir de modelo. Diretor-geral comentou ‘enxugamento’: ‘Ano tão adverso’
Em uma edição com recorde de escritoras e escritoras negras (30%) e que teve o racismo como pauta de boa parte das mesas, a organização da 15ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) avalia que a diversidade chegou também ao público.
De acordo com a organização, a cidade recebeu, nos cinco dias, 20 mil pessoas (ou 5 mil a menos do que em 2016). A expectativa da secretaria de turismo da cidade era de 30 mil.
Em entrevista coletiva neste domingo (30), último dia da Flip, a curadora Joselia Aguiar afirmou esperar que “essa mobilização dos leitores negros e imprensa negros aconteça em todas as festas literárias, e não apenas na Flip”.
Ela lembrou ainda da “paridade de gênero” que quis garantir no “elenco”: 23 mulheres e 22 homens. Neste ano, a organização optou por um cardápio sem “astros literários”.
Em anos anteriores, a Flip costumava trazer autores consagrados, incluindo ganhadores do Nobel. Agora, embora houvesse premiados, chamou a atenção o grande número de “desconhecidos”.
Foi de propósito, garantiu a curadora: ela acha melhor dar ao público dar a chance de “descobrir coisas que não sabe” do que propor “uma festa em que você vai ver aquilo que já sabe, os autores que já conhece, e que vão debater entre eles coisas que eles já debatem e você sabe o que é”.
Na coletiva, Joselia quis desfazer a associação entre o autor homenageado desta vez, Lima Barreto, e a diversidade dos convidados. “Não é porque o Lima Barreto era um autor negro e tratou do racismo que temos mais autores e autoras negras. Tem que começar a não pensar nessas coisas de maneira automática”, disse.
Orçamento menor
Com relação ao orçamento de R$ 5,8 milhões (ou R$ 1 milhão a menos do que em 2016), Mauro Munhoz, diretor da Casa Azul, associação responsável pela Flip, reconheceu que foi feito “um esforço muito grande de enxugamento”.
Citando “este ano tão adverso”, ele não fez previsões a respeito do dinheiro para a próxima edição: “A gente acha que depende do país, e que o país vai estar mais ou menos do mesmo tamanho que neste ano…”.
A tendência recente é de queda. A organização informou ao G1 dados das últimas sete edições: 2010 (R$ 6,3 milhões), 2011 (R$ 6,8 milhões), 2012 (R$ 8,4 milhões), 2013 (R$ 8,6 milhões), 2014 (R$ 8,5 milhões), 2015 (R$ 7,4 milhões) e 2016 (R$ 6,8 milhões).
Vale lembrar que o próprio secretário de Turismo de Paraty reconheceu que a Flip deste ano teve “estrutura reduzida”. Um contraste com um passado mais claramente ambicioso.
Em 2014, a Flip foi comparada a “festival de rock”. Em 2015, Munhoz declarou que a crise não tinha qualquer impacto no evento. Finalmente, em 2016, numa Paraty visivelmente esvaziada nas ruas, reconheceu-se que aquele era “um ano extremamente difícil”.
Desta vez, foi ainda bem menor o número de ações promovidas por tradicionais patrocinadores da festa. A baixa quantidade de casas temáticas (bancadas por grandes editoras e institutos culturais) também esteve visível.
Embora, durante o sábado, o público tenha sido grande durante o dia (era difícil conseguir lugar para almoçar no centro histórico), as noites da Flip 2017 pareceram mais vazias. Tanto no próprio sábado quanto na sexta, quando se costuma registrar movimento intenso (e circulação nível metrô lotado) na área da Matriz.
Não ajudou o fato de boa parte dos bares começarem a “expulsar”, até as 2h da manhã, em geral, os frequentadores mais persistentes.
Menos lugares pagos
A Flip 2017 aconteceu na Igreja da Matriz (com 450 lugares) e não na Tenda dos Autores (com 850). Na prática, significou menos despesas para montar a estrutura, mas também menos ingressos pagos disponíveis. Cada entrada custava R$ 55.
De acordo com Mauro Munhoz, todos os ingressos foram vendidos, mas ao longo do evento houve debates com numerosas cadeiras vazias.
Sobre a possibilidade de manutenção da Matriz como sede da programação principal em 2018, afirmou: “Foi uma experiência muito boa, é uma hipótese bacana. A princípio, sim [o evento vai continuar lá]”.
O diretor comentou também sobre o chamado “Auditório da Praça”, montado na área da Praça da Matriz, bem perto da igreja. Ali, foi instalado um telão para transmissão ao vivo das mesas. Há 700 lugares cobertos e tradução simultânea, com entrada de graça.
No ano passado, o local abrigava 350 pessoas, algo que a organização destaca como positivo no sentido de “democratizar” a Flip. Para os responsáveis pela festa, o fato de agora a programação central ficar toda concentrada nas imediações da Matriz, no centro histórico de Paraty, foi positivo e permitiu maior contato entre moradores da cidade e visitantes.
A dona Diva
Em uma Flip em que os maiores candidatos a astros, Marlon James e Paul Beatty, fizeram debate meio morno, quem brilhou foi a dona Diva.
A professora aposentada de 77 anos, que estava na plateia de um debate que tinha Lázaro Ramos na sexta-feira (28), pegou o microfone e fez um discurso emocionado. O ator chorou. E Diva Guimarães virou estrela da Flip 2017.
O próprio Lázaro Ramos já havia feito uma performance muito aplaudida na sessão de abertura, quando “reviveu” Lima Barreto e apoiou um coro de “Fora, Temer”.
Numa Flip marcada por debates que discutiram, além de literatura, o racismo e desigualdades sociais, além da “atualidade da obra do homenageado”, alguns dos destaques foram:
- a escritora de Ruanda Scholastique Mukasonga, que durante sua mesa disse ter se tornado escritora por causa do genocídio em seu país;
- uma mesa (de botequim) que teve os convidados tomando “uma cachacinha na sacristia” e depois conversa sobre “macumba carioca” e subúrbio do Rio;
- o cancelamento da vinda de Anderson França na programação paralela por causa de ameaças de morte (ele depois participou por videoconferência, e o local teve segurança reforçada);
- o historiador João José Reis, que defendeu cota racial e criticou a “escravidão contemporânea” e a reforma trabalhista;
- e a mesa que juntou o cantor e ativista Luaty Beirão, que cantou rap na Matriz, e a debochada freira escritora Maria Valéria Rezende, que se disse “meio fraca do juízo”.
Protestos políticos
Sobre os protestos políticos que ocorreram em algumas mesas, a curadora lembrou, na coletiva com o balanço final da Flip 2017, que “isso sempre aconteceu”.
“Não foram só nas mesas de ativismo ou nas mesas em que se debateu racismo. Os autores mesmo lembraram”, afirmou Joselia Aguiar. “As manifestações relacionadas ao momento político iam ser inevitáveis.”
Perguntado se ela continua na curadoria, Mauro Munhoz disse que isso será divulgado em outubro. O nome do homenageado da Flip 2018 será conhecido no início do próximo ano.
Fonte: G1