‘Formatura Preta’ e a poderosa mensagem sobre igualdade racial na universidade
Vídeo que reúne alguns formandos negros expõe realidade ainda utópica no Brasil.
No dia 1º de maio, o fotógrafo Matheus Leite viu um vídeo de sua autoria viralizar nas redes sociais. Batizado de Formatura Preta, o registro de pouco menos de dois minutos reúne jovens negros de beca e capelo – o famoso chapéu de formatura – numa atmosfera que mistura comemoração e provocação.
O grupo é composto por alunos e ex-alunos da Universidade Federal da Bahia (UFBa) e de outras instituições de Ensino Superior da Bahia. Eles dançam e sorriem, mas também apontam sem cerimônia os canudos de diploma para a câmera – como se fossem armas. A trilha sonora traz músicas de Luedji Luna, Baco Exu do Blues e Djonga, novos expoentes negros da música nacional.
Assista no player abaixo:
https://www.facebook.com/matheusl8/videos/1985205911529725/
“A ideia do vídeo nasceu a partir do ausência, do incômodo”, conta Matheus, de 27 anos, referindo-se ao desequilíbrio entre dados demográficos da Bahia – onde 76% dos habitantes se declaram pretos ou pardos – e a presença da população negra em ambiente acadêmico.
No Brasil, 54% da população é negra. No entanto, dados do IBGE mostram que em 2015 apenas 12,8% dos negros entre 18 e 24 anos chegaram ao nível superior.
“Quando você digita ‘foto de formatura’ no Google Imagens, dá um trabalho retado para um achar uma pessoa negra, quem dirá uma turma”, exemplifica o fotógrafo soteropolitano. “Essa ausência é problemática porque é capaz de criar o sentimento de incapacidade, a sensação de que não é possível estar ali.”
Especializado em registros de casamentos, formaturas e ensaios, Matheus manteve a ideia do vídeo “guardada na gaveta” até aparecer um freela numa colação de grau para colocá-la em prática. O problema é que uma turma composta majoritariamente por formandos negros nunca apareceu. Ele passou então a pesquisar trabalhos de outros profissionais na área, mas também não encontrou nenhum material do gênero.
Foi aí que decidiu realizar o projeto por conta própria, convocando “pessoas negras de cursos distintos, mas que estão na mesma luta”. São eles: Hebert Gonçalves (Turismo e Hotelaria), Bárbara Inês (Ciências Biológicas), Marcos Araújo (BI de Humanidades), Patrícia Souza (Jornalismo) e Daiana Damasceno (Relações Públicas).
A repercussão do vídeo e das fotos derivadas pegaram Matheus de surpresa. Além das milhares de curtidas e compartilhamentos, o material rendeu diversas mensagens de pais de formandos, alunos de Ensino Médio, além de graduandos e pessoas que já se formaram, “algumas dizendo que o vídeo deu força pra encarar com mais vontade a faculdade, outras dizendo que ao ver o vídeo passou um filme na cabeça”.
Ele cita um “estranho ineditismo” como uma possível resposta ao sucesso do vídeo. “Classifico como estranho ineditismo porque para um país onde a maioria da população é negra, isso não deveria ser raro ou inédito”.
Tal repercussão, no entanto, abre espaço para reflexões mais profundas sobre o lugar ocupado pelo negro na sociedade brasileira.
“Além de afirmar a ocupação desse espaço, falando ‘estou aqui’, esse trabalho tem o poder expandir horizontes através da representatividade. A partir do momento que você simplesmente vê semelhantes ocupando um determinado local, você imagina que é possível estar lá. Isso é poderoso.”
O que poderia ser feito para que a situação da população seja melhor na universidade? “Mais negros na universidade”, responde Matheus. Ele justifica: “Isso vai resultar em mais pesquisas feitas por pessoas negras, em mais mestres negros e em um corpo de docente mais negro”.
Para o fotografo, o fator quantidade pode inibir a manifestação de pensamentos racistas e manutenção do status quo dentro e fora do ambiente acadêmico. “Mas com certeza essa não é só uma questão de quantidade e também nem se restringe ao universo acadêmico.”
Fonte: Huffpost