Homem negro: Violência histórica e contemporânea

A julgar pelos últimos textos e propostas que lideranças negras femininas importantes do país estão apresentando a sociedade brasileira, teremos que reinventar o homem negro. O que aí está posto, segundo elas, é grosseiro, agressivo, insensível, violento, machista e palmiteiro, e que sequer sabe apreciar as mulheres negras, pois foram “ensinados” ou seja, adestrados  a consumi-las.

Um dos vícios mais graves que existem no mundo da política é o perfeccionismo e quando isso se transfere para o campo comportamental, aí é mortal. “O perfeccionismo é uma escolha, consciente e inconsciente, da busca pela perfeição, a partir da intolerância à imperfeição, à heterodoxia, ao diverso, a partir de uma concepção de mundo que corresponda, integralmente à utopia”, afirma o filosofo Raskin em artigo no Estadão e com o qual concordo integralmente.

Em verdade, o exercício do perfeccionismo no campo das políticas públicas, ainda mais no combate ao racismo, nos paralisa e nos leva inevitavelmente a um beco sem saída. Homens e mulheres sejam eles brancos, negros, amarelos ou mestiços são frutos e consequências de um amplo e complexo arranjo social chamado processo civilizatório. Em nosso caso, civilização ocidental,  somos resultado de uma sociedade patriarcal, hierarquizada econômica, social e racialmente, onde o machismo e suas violências contras as mulheres foram institucionalizadas, inclusive pelos sistemas religiosos há séculos e séculos. Combater e superar essa tragédia que tem ceifado a vida de milhões de mulheres mundo afora e em particular no Brasil, é uma tarefa gigantesca e que deve contar com a participação ativa de todos (homens, mulheres, LGBTQ +) que desejam uma sociedade igualitária.

Isso, parece simples, mas não o é. Afirmar, por exemplo, nos dias atuais, que o machismo é fruto de uma trama social e não exclusivamente de homens maus contra mulheres indefesas, pode levar um desavisado/a para o cadafalso e a ser sumariamente executado/a nas redes sociais como o mais nocivo/a dos seres humanos. O problema é que esse linchamento público não leva a absolutamente nada, pois nem questiona, nem remove os fundamentos que alicerçam as desigualdades de gênero e raciais e suas violências.

Que as mulheres e em particular as mulheres negras são vitimas de uma violência sem tamanho em nossa sociedade, é um fato. Nega-lo, além de um absurdo é uma desfaçatez. Que as mulheres, e mais particularmente ainda, as mulheres negras precisam de políticas públicas de proteção, amparo e garantia da sua integridade física, emocional e social, é mais que uma necessidade é uma urgência. Agora,  transformar em alvo exclusivo dessa luta meritória os homens negros e buscar puni-los pela via da violência e do encarceramento ou de desqualifica-los pelos simples fatos de serem homens negros,  como únicos caminhos para o enfrentamento dessa calamidade, é um equivoco monumental.

Se os homens negros não podem ser tratados como inocentes, também não podem ser os únicos vilões dessa tragédia social. A solução não pode resultar na sua eliminação física e social das relações com as mulheres, como algumas militantes feministas negras estão propondo. Não podemos esquecer que esses mesmos homens negros tem sido as grandes vítimas das exclusões de todas as ordens, seja no mercado de trabalho, na violência policial, nos grupos de extermínio, assim como são aqueles que lotam as prisões e os sanatórios. Ou seja, tanto quanto as mulheres negras são os brutalizados/as da terra.

Não somos, nem devemos ser tratados como inimigos. Somos sim, vitimas de um mesmo processo de desumanização, que precisa ser enfrentado coletivamente e de forma articulada, para que não sejam manipulados e utilizados contra aquilo que pretendemos almejar – a igualdade.

Toca a zabumba que a terra é nossa.

 

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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