Leia a entrevista com o Presidente da Guiné
Confira em nossas páginas pretas trechos da entrevista exclusiva com o Presidente da República da Guiné, Alpha Condé
TEXTO: Maurício Pestana | FOTOS: Hitanês Freitas/Divulgação | Adaptação web: David Pereira
A história do presidente Alpha Condé e da República da Guiné confundem-se com a luta por democracia que se reflete em toda a África. Aos 73 anos, Condé é um dos mais respeitado intelectuais do continente africano. Professor de Ciência Política na Universidade de Sorbonne, em Paris, por 10 anos, passou décadas em oposição a vários regimes ditatoriais de seu país, concorrendo à presidência da República nas eleições de 1993 e 1998, ano em que foi preso por ordem de seu opositor, Lansana Conté, que o acusou de “atentado à autoridade do Estado e à integridade do território nacional”. Condé foi liberado em 2001.
Em 2010, disputou novamente as eleições – as primeiras realmente democráticas da história da Guiné, após 52 anos de ditaduras. Condé saiu vencedor no segundo turno com 52,5% dos votos.
As comemorações pela sua vitória foram marcadas por confrontos violentos entre os partidários do candidato derrotado, Cellou Dalein Diallo, e a polícia.Em 19 de julho de 2011, a casa de Alpha Condé foi invadida por um grupo armado, que explodiu o portão com um lança-foguetes e danificou e destruiu partes da residência a tiros. O presidente saiu ileso, graças à intervenção de sua guarda pessoal.
Nesta entrevista exclusiva, o presidente da Guiné – país que detém 2/3 de toda a bauxita produzida no planeta – fala dos sonhos de uma África livre, do Brasil e do papel dos negros no mundo na atualidade. Confira trechos da entrevista com Alpha Condé, Presidente da Guiné.
Quais foram suas impressões sobre o Brasil e os afro-descendentes do nosso país?
Já tinha tido a oportunidade de visitar o Brasil e achei um pouco estranho ver que o país, onde 52% da população é negra, ter uma representatividade no governo e em algumas outras posições no poder, que não refletem essa presença. Engraçado que me faz lembrar quando visitei outro país: Cuba. Acho que temos um problema da representatividade dos negros na política e na economia. Por que isso? Com uma grande população negra, por que uma representatividade tão baixa?
De que forma o Brasil, com uma população afro-descendente tão grande, pode estabelecer uma relação mais próxima com o continente africano e a Guiné?
Acho que no Brasil houve uma grande evolução com a liderança do presidente Lula. Na verdade, antes dele, havia aqui uma hegemonia cultural da população de origem europeia, e essa desigualdade da população negra em comparação com a europeia está diretamente ligada à falta de liderança na África, porque os líderes africanos estavam mais interessados em ganhar dinheiro para o seu próprio interesse, depositando o dinheiro em bancos na Europa.
O que o senhor aponta como o principal desafio da Guiné?
O maior desafio do país é lutar contra a corrupção. O potencial da Guiné é muito grande. A Guiné tem potencial para ser o país mais rico da África. Nós chamamos de escândalo geológico. Temos 2/3 da reserva de bauxita do mundo. O ferro é comparável a Carajás, muito puro, 70%. Temos ouro e diamante. Além de ser um escândalo geológico, também somos um escândalo agrícola, temos condiçõesexcepcionais de água, todos os rios da África têm nascente na Guiné. Mas somos o último país da região em termos de desenvolvimento econômico, e a razão são a corrupção e a má governança.
A China tem se tornado parceira em vários países africanos, fala-se, inclusive,em uma nova forma de colonialismo. Como o senhor analisa isso e qual é arelação da Guiné com o governo chinês?
A Guiné não tem medo da China! A Europa acusa a China de fazer o que a Europa já fez na África. Na verdade, somos conscientes da realidade com a China. A economia chinesa é baseada na exportação, e a China compra bônus americanos. Então, uma crise na Europa ou na América pode ter consequências muito grandes na economia chinesa. Se o mercado chinês diminuir com a crise europeia, ele pode ter uma bolha. O Brasil tem uma situação muito diferente, mais equilibrada. Não é tão dependente do comércio exterior, é mais baseado num desenvolvimento interno. Praticamente, podemos dizer que a economia brasileira arrisca menos que a economia chinesa, e é mais sólida que a economia chinesa. É importante para a Guiné encontrar o equilíbrio e ter parcerias com a Europa, a China e também com o Brasil.
Num cenário próximo, como o senhor vê o futuro do Brasil e da África?
Temos que fortalecer todos os laços e ajudar atingir os dois objetivos. Quando você tem uma criança, a esperança é que o filho seja melhor que a mãe. E a África é uma mãe que quer que os filhos sejam melhores que ela. A mãe África vai fazer de tudo para fortalecer e se emancipar, para ver todos os seus filhos no Brasil, em Cuba e em todas as partes do mundo, seguirem em frente. Essa luta do negro no mundo é a luta da África, é a luta da emergência econômica da África, temos uma batalha dura! Os filhos têm que lutar aqui pelos seus direitos, e na África temos que lutar para dar dignidade ao negro, através de um desenvolvimento econômico, só assim a mãe África e os seus filhos serão mais respeitados em todos os países. Essa é a minha luta!
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