Massacre encoberto
Em memória à tragédia ocorrida no dia 21 de março de 1960 na cidade de Sharpeville, na África do Sul conhecida como o Massacre de Sharpeville—, a ONU instituiu na data o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.
No total, 69 pessoas morreram e outras 186 ficaram feridas —números assustadores, mas provavelmente inferiores aos de jovens negros que morrem somente nos finais de semana nas grandes capitais brasileiras.
Dos 30 mil jovens assassinados em 2012 no Brasil —cerca de 82 mortes por dia—, 77% são negros.
O número é superior à média anual das guerras em curso em todo o planeta.
Ser negro, jovem e morar na periferia de uma grande cidade em nosso país pode ser comparado a viver em alguns dos piores períodos da história da humanidade.
O sentimento é o mesmo, tanto para famílias negras da periferia de hoje quanto para famílias judias durante a Segunda Guerra. Fatos tenebrosos do nazismo, do apartheid da África do Sul ou das ações do Ku Klux Klan nos EUA ainda acontecem no Brasil atual.
Com uma diferença significativa: nas décadas passadas, tais práticas chocaram o mundo e forjaram líderes como Martin Luther King, Malcolm X e Nelson Mandela, enquanto no Brasil são acobertadas pelo silêncio. Alguns números refletem esse fenômeno. As mortes violentas, por exemplo, caíram 24,8% entre a população branca no período de 2002 a 2012, mas cresceram 38,7% entre os negros, segundo dados do · Mapa da Violência.
Ao ver essas estatísticas, penso no depoimento de uma mãe que conheci recentemente em uma visita ao bairro de Guaianazes, extremo leste da cidade de São Paulo. Ele dizia estar preocupada com o futuro da sua filha, “pois os jovens negros estão morrendo e, em pouco tempo, não haveria mais homens para se casarem com ela”.
A Secretaria Municipal da Igualdade Racial de São Paulo tem desenvolvido várias iniciativas de cunho educativo e de enfrentamento do racismo.
Além da criação do Fórum Permanente de Liberdade de Crença e Cultura do Município de São Paulo e do maior programa de ações afirmativas no setor público da América Latina, podemos citar a inauguração do Centro de Referência e Promoção da Igualdade Racial de Vila Maria, um serviço público e gratuito municipal que prevê a prestação de atendimento e orientação em casos de discriminação racial.
São pequenas ações, entretanto, diante da letalidade do racismo institucionalizado no Brasil, que afeta, massacra e também cala milhões de cidadãos. Poucas pessoas saem em defesa das vítimas, menos ainda denunciam os crimes e quase ninguém ousa enfrentar as causas.
Hoje a visibilidade desse massacre se dá mais por instituições de fora do país, como a Anistia Internacional, do que por nós mesmos.
Só o caminho da inclusão, com mercado de trabalho inclusivo, vagas nas universidades, educação e menor distanciamento econômico entre negros e brancos é que permitirá o início da construção de uma sociedade mais justa.