Memória, Consciência Negra e Glamourização.

“Novembro Negro”, assim cunhado por conta das celebrações em torno do Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), data em que, no ano de 1695, no Quilombo dos Palmares, no Estado de Alagoas, foi assassinado o líder quilombola, Zumbi dos Palmares. A celebração é fruto da luta tenaz de milhares de militantes e organizações do movimento negro brasileiro, que ao longo dos últimos cinquenta anos, dedicaram parte de suas vidas ao reconhecimento desse grande herói negro brasileiro.

Para que esse reconhecimento se transformasse em realidade, muitas discussões, reflexões e manifestações país afora foram realizadas, exigindo que o Estado brasileiro, por meio de políticas públicas, mitigasse a forte discriminação racial existente no Brasil decorrente do período escravista. Com o advento da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, a Discriminação Racial e a Intolerância, promovida pela ONU, em 2001, na África do Sul, as coisas avançaram por aqui. A adoção das Políticas de Ações Afirmativas por parte dos governos Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Roussef, promoveram avanços consideráveis na melhoria das condições de vida da população negra.  

Por conta disso, o combate ao racismo tem crescido, a promoção da igualdade tem avançado e muitas vitórias tem sido alcançadas, a exemplo da tipificação do racismo como crime inafiançável, a implantação do sistema de cotas raciais no ensino superior,  (beneficiando mais de dois milhões de jovens negros/as nos últimos vinte anos),  a introdução da História da África e da Cultura Afro-brasileira na grade curricular do ensino fundamental e o reconhecimento das terras remanescentes de quilombos. Além disso, há um ganho que não é mensurável, mas tão importante quanto as conquistas materiais – que é a consciência de que o racismo causa danos não apenas para suas vítimas, mas para a sociedade como um todo e que por isso mesmo deve ser combatido e erradicado.

Mas, não podemos ser ingênuos e achar que essa luta está ganha. Apesar das conquistas, o Brasil continua com fortes manifestações racistas e uma das mais graves é o verdadeiro extermínio do qual a juventude negra brasileira tem sido vítima.  São mais de 300 mil mortos, nos últimos dez anos, chamando a atenção de organizações internacionais, como a Anistia Internacional, diante da inação do Estado brasileiro. É bem verdade que a violência no Brasil tem atingido praticamente todos os segmentos, mas o alvo preferencial das milícias, dos grupos de extermínio e do aparato de segurança do estado, tem sido invariavelmente a os jovens negros/as das periferias do país.

Daí, não se assustem em ver, também no mês de novembro, uns cem números de atividades voltadas para o nosso passado escravista, promovidas pelos setores conservadores, com manifestações quase unanimes de reprovação a escravidão, particularmente de autoridades e pastores, mas sem nenhum compromisso real com as mudanças que esse passado exige em nosso presente para o combate à exclusão, a violência, a pobreza e à discriminação. 

E por fim, fiquemos atentos a uma nova modalidade de celebração do Novembro Negro, que tem ganhado força nos últimos anos. Talvez como fruto do impasse político/social que o país está vivendo, onde as pautas progressistas tem sofrido fortes reveses, assim como a mobilização e organização das entidades, tendo em vista o fortalecimento da extrema direita, é visível o processo de glamorização do Novembro Negro. Circunscrito quase que exclusivamente ao modelo estético/cultural, o papel das lideranças políticas tem sido substituídas pelas celebridades digitais, onde engajamento e número de cliques valem mais do que ideias.

Além disso, a valorização excessiva do sucesso individual como método de ascensão social e um tal de empreendedorismo negro, como única saída para a superação dos graves problemas que atingem a comunidade negra como um todo, tem sido vendidos o milagre a ser alcançado. “Olho vivo, pois cavalo não desce escada” e legado não se constrói apenas com celebridades, mas com consciência crítica, organização coletiva e políticas públicas que beneficiem a maioria.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

Colunista: Zulu Araujo

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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