Meu tempo é agora – Mãe Stella

Esta frase lapidar da Yalorixá Stella de Oxossi e que dá título ao seu livro mais famoso – “Meu tempo é agora” – diz bem da sabedoria desafiadora que ela possuía e compartilhava. Popularmente conhecida como Mãe Stella, (nascida Maria Stella de Azevedo Santos, no ano de 1925), a mais importante sacerdotisa das religiões de matriz africana a chegar ao século XXI, se foi para o Orun, no último dia 27 de dezembro, às 16h, aos 93 anos de idade, deixando um legado fantástico para a história e a memória cultural da Bahia e do Brasil.

Mãe Stella foi uma mulher singular, diria mesmo uma mulher que sempre esteve à frente do seu tempo e isto fez com que ela ganhasse o respeito e admiração de todos aqueles que a conheciam e acompanhavam o seu trabalho. Religiosa convicta da religião do Candomblé era direta e objetiva ao expressar suas ideias e opiniões. Desafiou dogmas, fossem católicos ou do candomblé com a segurança de quem sabia o que fazia e o que queria.

Certa vez, lá pelos idos de 1987, quando da chegada de Dom Lucas Moreira Neves (um dos arcebispos mais conservadores que a Bahia já teve), a Salvador, afirmou peremptoriamente que o sincretismo folclórico baiano fazia mal para ambas as religiões (Candomblé e Católica), pois lhes retirava a essência. Dizia ela – “a fé é a maior liberdade que o ser humano possui” Causou espanto entre os religiosos hipócritas de um lado e perplexidade aos ingênuos do outro. Afinal, era uma Yalorixá que estava negando o sincretismo e não um representante da Igreja Católica, como seria de se esperar.

Mãe Stella era digna e altiva e não se contentava com o espaço restrito da religião para exercer sua cidadania. Era militante na luta contra o racismo e a intolerância religiosa, mas agia com ponderação e bom senso, sempre defendendo o direito a liberdade religiosa para todos. Não se furtava a emitir suas opiniões políticas, nem de tomar partido, mas sempre preservou o seu Terreiro – o Ilê Axé Opô Afonjá da ação predatória da política.
Era uma entusiasta do livro e da leitura. Assim, transformou-se na primeira Yalorixá a escrever sobre as coisas do Candomblé, sem infringir a tradição, mas tratando com clareza e sinceridade da magia e das idiossincrasias que toda e qualquer religião possui. Ao longo da sua vida lançou seis livros tratando sobre temas diversos como: religiosidade, cidadania e meio ambiente. Era colunista do jornal mais importante do norte e nordeste, além de realizar palestras e conferências pelo mundo afora.

No espaço sagrado do Ilê, criou o espaço sagrado para a educação que é a Escola Municipal Eugênia Ana dos Santos, em homenagem a Mãe Aninha a primeira Yalorixá do Afonjá, que tinha o sonho de que seus filhos pudessem se educar, num tempo em que educação era um privilégio dos brancos e ricos. Hoje a escola atende a mais de 350 crianças e é um exemplo de educação interétnica. Não satisfeita criou uma biblioteca móvel, voltada para difundir o conhecimento, em particular a diversidade religiosa como um mecanismo de combate ao preconceito e à intolerância. Para coroar sua trajetória neste campo, a escritora Mãe Stella, foi eleita por unanimidade pela Academia de Letras da Bahia para ocupar a cadeira número 33 que foi de Castro Alves, como a primeira Yalorixá escritora do Brasil.

Assim era Mãe Stella, uma figura inquieta e ativa, bem humorada e antenada com as coisas do mundo material e espiritual. Com mais de 90 anos resolveu bisbilhotar o mundo digital e criou um aplicativo chamado – Orientações de Mãe Stella, que segundo ela era para melhor se comunicar com a juventude.

Em uma de suas últimas entrevistas em vida, Mãe Stella respondeu sabiamente ao jornalista Maurício Pestana aqui na revista RAÇA a seguinte frase sobre os avanços da intolerância racial no Brasil: “Eu chamo essa coisa de sinal dos tempos. Pelo número que a população do planeta aumentou, evoluiu, as pessoas se tornaram mais aptas à leitura e a certas práticas. Ficou mais fácil para qualquer pessoa que tenha alguma crença dominar algumas informações e se aproveitar da carência do outro, negociando a fé, e isso acontece em todas as religiões, em qualquer lado.”

Foi homenageada em inúmeras ocasiões tanto no Brasil como no Exterior. Dentre os títulos mais importantes estão: Doutora Honoris Causa tanto da Universidade Federal da Bahia quanto da Universidade Estadual da Bahia. Membro da Academia de Letras da Bahia, eleita por unanimidade. Ordem do Cavaleiro do Governo do Estado da Bahia, Ordem do Mérito Cultural do Ministério da Cultura e o Troféu Palmares da Fundação Cultural Palmares/MinC.

Por tudo isto, é que podemos afirmar sem medo de errar que Mãe Stella não morreu, ela na verdade foi compartilhar sua sabedoria com o pessoal do andar de cima e tenho certeza que continuará ajudando o pessoal do andar de baixo a fazer da vida e do planeta terra um lugar agradável para se viver e sonhar.

Okê Arô – Toca a zabumba que a terra é nossa!

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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