Morre José Eduardo dos Santos, ex-presidente da Angola

Político que por mais tempo ocupou a Presidência do país lusófono estava hospitalizado em Barcelona

O ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos, que por quase quatro décadas governou o país lusófono, morreu aos 79 anos, informou nesta sexta-feira (8) o governo angolano em uma rede social.

Dos Santos morreu em Barcelona, onde estava internado desde 23 de junho após sofrer um acidente vascular cerebral. Ele se tratava de uma doença na cidade espanhola havia vários anos, o que o levou a deixar Luanda em 2019, dois anos depois de sair da Presidência. Ele retornaria a Angola em 2021.

Um dos líderes mais longevos do continente africano, governou em meio a uma guerra civil de quase 30 anos contra o movimento guerrilheiro da União Nacional pela Independência Total de Angola (Unita), da qual sua sigla, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), sairia vitorioso nos anos 2000.

Após o fim dos conflitos, Angola viveu um boom do petróleo, que a um só tempo fez crescer a economia do país, o segundo produtor de petróleo da África, e enriquecer sua família. Dos Santos foi substituído em 2017 por João Lourenço, que, apesar de ser do MPLA, começou a investigar alegações de corrupção e nepotismo durante os anos do antecessor. O ex-presidente viu, assim, seu legado manchado.

‘ARQUITETO DA PAZ’

Conhecido em seu partido como “o arquiteto da paz”, Dos Santos chocou os angolanos ao renunciar à Presidência antes das eleições de 2017. A população, porém, ficaria ainda mais surpresa com a campanha anticorrupção que levaria o filho do ex-líder angolano à prisão e congelaria bens ligados à filha dele.

​”Não há atividade humana sem erros, e aceito que também eu tenha cometido alguns”, disse Dos Santos em um discurso final como presidente do MPLA, em 2018, sua última aparição na linha de frente política.

Mas muitos que viveram a guerra civil —que deixou um saldo de meio milhão de mortos— creditam a ele a estabilidade de um país acostumado a conflitos desde que se tornou independente de Portugal, em 1975.

A decisão de conceder anistia a todos os lados e de oferecer —até mesmo a oponentes da guerra civil— oportunidades de negócios e terra, bem como algum espaço político, foi crucial para garantir que os combates não voltassem a acontecer. Os defensores de Dos Santos afirmam que foi esse mesmo instinto político de estabilidade que o levou a se retirar do poder sem estardalhaço.

Ele frequentemente se descrevia como um presidente acidental, tendo tomado as rédeas do país depois de o primeiro líder de Angola, Agostinho Neto, morrer durante uma cirurgia de câncer, em 1979.

Com Neto tendo servido apenas quatro anos, e o jovem Dos Santos, então com 37 anos, considerado um candidato relativamente fraco, poucos imaginavam que ficaria no poder por quase quatro décadas. Ele mostrou-se, contudo, um político astuto, hábil em expor rivais e forçá-los a entrar na linha.

Em 2003, Dos Santos colocou o secretário-geral de seu partido em um cargo menor, por parecer um pouco ansioso para substituí-lo. O tal secretário-geral era Lourenço, que teria de esperar 14 anos para enfim concretizar o desejo de se tornar presidente de Angola. “Ele humilhou as pessoas”, disse Alves da Rocha, economista sênior que trabalhou por muitos anos no Ministério do Planejamento do país. “Essa é uma das razões pelas quais o apoio a ele entrou em colapso quando deixou o cargo.”

Nascido em 28 de agosto de 1942 de pais imigrantes do arquipélago de São Tomé, Dos Santos foi criado no bairro pobre do Sambizanga, em Luanda. Seu pai era pedreiro, e sua mãe, empregada doméstica.

Quando jovem, juntou-se ao então nascente MPLA. Como muitos de seus colegas combatentes da libertação, passou alguns anos exilado na República do Congo, depois de completar 20 anos, antes de se mudar para Baku, no Azerbaijão —então parte da União Soviética—, para estudar engenharia de petróleo.

Lá, conheceu sua primeira mulher, Tatiana Kukanova, uma campeã russa de xadrez com quem teve sua primeira e mais famosa filha, Isabel. No final dos anos 1970, com a morte de Neto, Dos Santos era um dos membros mais antigos do partido com chances de chegar à Presidência. Um dos motivos pelos quais saiu vitorioso foi justamente por parecer um candidato mais fraco. “Todos achavam que poderiam influenciá-lo”, disse Justino Andrade, membro do MPLA na época, em 2013, a um site de notícias português.

​Seu discurso de abertura como líder deu o tom para futuras aparições públicas, com duração de 1 minuto e 54 segundos. Nos 38 anos seguintes, daria apenas algumas entrevistas. Embora fosse cada vez mais considerado pelos críticos um ditador, a aparente disposição de defender os resultados das eleições de 1992 como parte de um processo de paz negociado pela ONU selou a popularidade de seu partido.

Jonas Savimbi, o líder da Unita que lutou do outro lado da guerra civil, recusou-se a aceitar o resultado daquele pleito e levou o país de volta à guerra. Quando o exército angolano finalmente conseguiu matar Savimbi, em 2002, a Unita perdeu muito do seu apoio, e os confrontos chegaram ao fim.

Instalada a paz, as denúncias de corrupção aumentaram. Entre 2002 e 2014, à medida que a produção de petróleo crescia, a economia de Angola se multiplicou por dez, de US$ 12,4 bilhões para US$ 126 bilhões. Pouco desta riqueza ia para os mais pobres, enquanto os próximos a Dos Santos viravam bilionários.

A filha Isabel, tornou-se, segundo a Forbes, a mulher mais rica da África e também a bilionária mais jovem, com fortuna na casa dos US$ 3 bilhões. Mas, devido ao congelamento de seus ativos, a revista retirou a primogênita de sua lista de bilionários. Ela também se tornou presidente da petrolífera estatal Sonangol, enquanto seu irmão, José Filomeno, passou a chefiar um fundo de US$ 5 bilhões.

Dos Santos disse em uma rara entrevista de 2013 que gostaria de ser lembrado “como um bom patriota”, mas nunca respondeu às alegações de que havia permitido que a corrupção se tornasse desenfreada.

Fonte: Folha

Comentários

Comentários

About Author /

Start typing and press Enter to search

Open chat
Preciso de Ajuda
Olá 👋
Podemos te ajudar?