Movimento Negro e a urgência da democracia
Por: Zulu Araújo
Em artigo publicado recentemente no site da CNN, intitulado “Os manos, as minas e o Lula”, o jornalista Mauricio Pestana, CEO da Revista Raça, noticiou em primeira mão, um fato auspicioso da Campanha Eleitoral de 2022. Com a experiência de mais de 50 anos que tenho na área política e cultura digo que o ex-presidente Lula, deu um passo importante para estabelecer novos diálogos com a comunidade negra brasileira. E não foi um passo qualquer. Lula ousou e rompeu com os cânones do movimento negro e dialogou diretamente com as novas lideranças, que surgiram no pós Conferência de Durban na África do Sul em 2001, aqui no Brasil. Isto é sinal (positivo) que as eleições de 2022 entraram definitivamente na agenda política do movimento negro.
O Brasil vive momento delicado, a sociedade está esgarçada pelo discurso do ódio, pela violência desenfreada, cujas principais vítimas tem sido a juventude negra e as mulheres. Desta forma, a crise econômica está vitimando a sociedade brasileira como um todo, mas em particular os mais pobres, seja pela carestia de produtos básicos, como o botijão de gás, sejam pelos milhões de desempregados (13 milhões), mas, sobretudo, pelos 33 milhões de brasileiros que estão literalmente passando fome, fazendo com que o país reingressasse no mapa da fome mundial de forma vergonhosa. Além de tudo isso, tem havido ameaças constantes à Democracia, em particular ao processo eleitoral exatamente por aqueles que deveriam preservá-la.
Portanto, a complexidade do cenário político exige responsabilidade e seriedade na condução e superação dos desafios que se apresentam e o movimento negro tem parte nisso.
Neste sentido, o movimento negro não pode se recusar a ser protagonista nesse processo e contribuindo assim para que o país saia dessa barafunda em que se encontra. Afinal, as grandes vítimas das mazelas que estão assolando o país é exatamente aqueles que se encontram na base dessa pirâmide social, que são exatamente a população negra. Os dados são insofismáveis. Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), “Em média, 15% dos brasileiros estão abaixo da linha da pobreza. O percentual, entretanto, chega a 25% e 21% no Norte e no Nordeste. A situação também é pior entre os negros e as mulheres.”. E mais grave ainda é a situação dos lares comandados por negras/os: “Segundo o levantamento, 65% dos lares comandados por pessoas pretas e pardas convivem com alguma restrição alimentar. Comparando com o primeiro inquérito, a fome saltou de 10,4% para 18,1% dos lares comandados por pretos ou pardos.”. Ou seja, igualdade racial não é apenas figura de retórica, mas também se traduz por comida na mesa.
Arejar as ideias, renovar os interlocutores e criar agendas factíveis com a realidade é fundamental. E o primeiro passo foi dado.
Aliás, é importante ressaltar que na história do Brasil, Lula foi o único Presidente que enfrentou essa questão de forma transparente. Ele promulgou a Lei 10.639 (ensino da história da África na grade curricular do ensino fundamental), o Decreto 4877 (certificação dos territórios quilombolas), criou o Programa Brasil Quilombola, para dar sustentabilidade aos seus territórios, além de ter implementado a política de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras que veio a ser aprovada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal, cumprindo assim com parte importante dos compromissos assumidos durante sua campanha.
Mas, não nos enganemos, a resiliência do racismo continua forte e por isso mesmo precisaremos estar firmes e fortes, organizados e articulados com os setores progressistas da nossa sociedade para fazermos avançar a democracia e a promoção da igualdade racial em nosso país.