Mulheres negras conquistam lugar de fala na internet, no rádio e no audiovisual
“Não quero saber de outra no nosso lugar de fala. Mulher preta no poder pra poder poder”. O verso é da música “Lugar de fala”, do cantor e compositor Mombaça, mas poderia ser o reflexo da posição que mulheres negras estão ocupando. Seja na internet, na rádio ou na produção audiovisual do país, elas estão sendo vistas, ouvidas e lidas. E por pessoas de qualquer gênero ou cor.
— É importante o fortalecimento do protagonismo negro, da representatividade, de ideias e saberes do povo negro, mas para falar a uma comunidade muito maior, para falar à sociedade. É importante ampliar esse debate de “lugar de mulher é onde ela quiser”. Lugar da população negra é onde ela quiser — destaca a historiadora Angélica Ferrarez, que integra, com outras três pesquisadoras negras, o blog “Rodadas Negras”.
A cada semana, uma delas publica um artigo relacionado à sua área de atuação. Além de Angélica, pesquisadora do universo feminino do samba, o “Rodadas” conta com a professora Raquel Barreto, que pesquisa o partido dos Panteras Negras; com Fernanda Thomaz, professora de História da África da Universidade Federal de Juiz de Fora, e a professora Lourence Alves, que trabalha com cozinha experimental de herança nagô (povo de origem africana).
— Todas nós temos uma produção intensa que só é lida dentro da universidade, por poucos. Esse desejo de ampliar para além do universo acadêmico foi levando a gente para as redes sociais, plataformas digitais, o YouTube — explica Angélica.
O “Rodadas Negras” vai ganhar uma websérie no Youtube. Dirigido por Anderson Quack e Luiza Drable, o programa estreia em julho e terá entrevistas semanais com personalidades negras.
— O objetivo do Rodadas é atacar o cerne do racismo estrutural. É falar junto à comunidade negra, mas informar e envolver a sociedade como um todo — destaca a pesquisadora.
Quem também quer falar para todos é a cineasta Aline Lourena. Desde 2017, a educadora e fundadora da Agência TheLírios apresenta na Rádio MEC AM o programa “Na onda das pretas”, com a escritora Janine Rodrigues, a professora Lisiane Niedsberg e a contadora de histórias Sinara Rúbia, todas microempreendedoras.
— Colocamos nossas vozes para dialogar sobre política, arte, cultura e projetos de vida ligados à população afro-brasileira — explica Aline.
No programa que vai ao ar no próximo dia 18, às 9h, vão ao ar músicas de artistas negros que estão começando e entrevistas sobre temática racial. Aline conta que, em dez meses, o grupo já recebeu inúmeras mensagens de mulheres que se sentem representadas:
— Nós entendemos que essa é uma responsabilidade enorme. É fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e democrática que as mulheres negras, historicamente invisibilizadas e silenciadas nesse país, possam contar suas próprias histórias.
O audiovisual já está na mira do quarteto. Para este ano, a ideia é levar o projeto à internet e à televisão. A onda está só começando.
Há seis anos, quatro mulheres negras decidiram se juntar e propor uma educação antirracista nas escolas. Nascia o coletivo Meninas Black Power, com as empresárias Jaciana Melquiades e Tainá Almeida, a universitária Jessyca Liris e a produtora de audiovisual Suzane Santos.
Cinco anos depois, elas criaram um canal no Youtube que já abordou temas como maternidade, empreendedorismo e cultura.
— Nosso canal no Youtube surgiu da nossa necessidade de falar também de temas diversos, para além de temas educativos. O principal objetivo é criar um espelho positivo para que a pessoa negra consiga se ver e se ouvir, já que nas mídias de comunicação de massa nossa presença é mínima — explica Jaciana, proprietária da fábrica de brinquedos “Era uma vez o mundo”.
Nas redes sociais, as Meninas Black Power têm milhares de seguidores. No Instagram, são 23,5 mil. No Facebook, mais de 72 mil. Apesar do reconhecimento nas redes, Jaciana acredita que ainda há um caminho longo a percorrer:
— Ouvir e ver pessoas que se parecem com a gente melhora nossa autoestima, nos faz perceber que temos muita coisa em comum e tira a gente de um lugar de solidão. Ainda somos exceção. Num país que tem uma maioria de pessoas negras, não deveríamos ser exceção, sentimos falta de equidade em vários níveis.
Em novembro, o canal terá novos vídeos que já estão sendo produzidos pelas integrantes do coletivo.
— Em breve, a gente vai conseguir alcançar muito mais gente com a nossa fala, que não é única — finaliza a empresária.