Música negra em espaços nobres
Conheça a história de os Oito Batutas, grupo que levou a musicalidade negra para os espaços nobres do Rio de Janeiro
Texto: Redação | Foto: Divulgação| Adaptação Web Sara Loup
O primeiro filme do cinema falado, O Cantor de Jazz, com Al Jolson, em caricato blackface (rosto pintado de preto com um aro branco em torno da boca), só foi lançado em 1927. Até então, os filmes mudos eram, primeiro, acompanhados por música ao vivo e, depois, impressos no próprio acetato. A presença de músicos nas salas de exibição de cinema e nas suas salas de espera se fez tradição.
No Rio de Janeiro do começo do século 20, a elite frequentadora dos cinemas estava acostumada com a chamada música fina: valsas vienenses e tangos de Ernesto Nazareth. Como todo empresário, Isaac Frankel, proprietário do Cine Palais, sonhava em superar seu principal concorrente, o Cine Odeon, da calçada em frente. Por isso, pediu a Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna Filho), líder do grupo musical do Bloco Caxangá, para formar um conjunto que levaria, pela primeira vez, a música popular brasileira a um espaço considerado nobre na cidade.
Jacob Pixinguinha arregimentou seu irmão, o cantor, violonista e pianista, China (Otávio Liplecpon da Rocha Viana), os violonistas Donga (Ernesto Joaquim Maria dos Santos) e Raul Palmieri, o pandeirista Jacob Palmieri, irmão de Raul, o cavaquinhista Nelson Alves e Luís de Oliveira, que tocava bandola e reco-reco. Foi assim que nasceu, em 7 de abril de 1919, o conjunto Oito Batutas. Era a primeira vez que os ricos do Rio viam alguns instrumentos e ouviram melodias que, até então, só soavam nos morros, nos subúrbios e nas casas das tias baianas da Gamboa, a “Pequena África”.
Pouco depois da estreia, João Tomás substituiu Luís de Oliveira, que havia falecido. multiplicaram-se, então, os convites para tocarem nas festas elegantes da cidade. Em setembro do ano seguinte, os Oito Batutas se apresentou para os reis da Bélgica, durante o convescote oferecido pelo governo brasileiro ao casal visitante. Seguiram-se excursões pelo País afora, até que o milionário Arnaldo Guinle financiou uma viagem do grupo para Paris, acompanhando o dançarino brasileiro Duque (Antônio Lopes de Amorim Diniz) e sua partner, a francesa Gaby.
Os irmãos Palmieri e João Tomás não quiseram viajar e, em janeiro de 1922, ao embarcar no navio Massilia, os Oito Batutas viraram sete, com a adesão do cantor José Monteiro e do pandeirista Feniano. A volta ao Brasil só aconteceu em julho daquele ano, com uma novidade: a influência do jazz levou à introdução de saxofones, clarinetas e trompetes, além de estilos musicais da moda, como o foxtrot, o shimmy e o ragtime. Gravações na Argentina, sucessos carnavalescos, várias modificações com o grupo chegando a 12 integrantes (ao estilo big-band), são alguns capítulos da novela desse conjunto musical que morreu em solo portenho, após o empresário fugir com o dinheiro das apresentações em Buenos Aires, em novembro de 1922.
Viajando de forma mambembe por cidades argentinas, como em Río Cuarto, para conseguir algum dinheiro, o violonista Josué de Barros bancou o faquir, permitindo-se ser enterrado vivo. Só não morreu por causa da piedade da mulher do chefe da polícia local, que pôs fim à exibição. Repatriados, cada um tomou seu próprio caminho artístico. As pás de terra que cobriram o faquir ajudaram a enterrar definitivamente a história do Oito Batutas.
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