“Não sou Mulher apenas em março, nem Preta só em novembro.”
Esta afirmação lapidar expressa pela jornalista baiana Rita Batista, num
programa radiofônico na cidade do Salvador, esta semana, calou fundo na
minha consciência, neste mês de celebrações sobre as mulheres. Em verdade
a frase é um alerta importante para que não nos bastemos com os lugares
simbólicos da luta contra as discriminações, sejam elas de que ordem for. Claro
que celebrar o 8 de março é importantíssimo, do mesmo modo que celebrar o
20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra. Mas, precisamos bem
mais que isto.
Os estudos, as pesquisas, as estatísticas e tudo o mais que fizermos para
identificação do grau de discriminação, exclusão e/ou violência das quais as
mulheres são vítimas cotidianamente no mundo inteiro, exigem que seu
enfrentamento ocorra também no dia a dia e não apenas em momentos
convenientemente reservados pela mídia para tratamento especial. E no caso
das mulheres negras, temos que ter um olhar mais do que especial – afinal
elas foram as vítimas maiores durante a escravidão, onde seus corpos e
mentes foram violentados cotidianamente, por aqueles que lhes surrupiaram a
liberdade.
É impressionante como as sociedades, sejam elas europeias, africanas,
asiáticas ou americanas possuem ou desenvolveram mecanismos
extremamente cruéis no tratamento com as mulheres. Seja na mutilação
sexual, no casamento infantil, nos estupros coletivos, na violência doméstica,
na dupla ou tripla jornada de trabalho, nos espaços segregados e até mesmo
nos espaços religiosos, as sociedades humanas quase sempre encontram
justificativas para que as mulheres sejam discriminadas, excluídas ou
violentadas. Não há um só segmento social que escape dessa mazela, seja
rico ou pobre, preto ou branco, intelectual ou ignorante, todos ou quase todos
de alguma forma tem sido coniventes com as práticas mais vergonhosas de
violência contra as mulheres.
É bem verdade que tivemos avanços importantes em determinadas
sociedades, notadamente no campo ocidental e que as mulheres tem lutado
bravamente em defesa dos seus direitos mais elementares. Mas ainda assim,
estamos muito longe daquilo que poderíamos chamar de comportamento
civilizado e igualitário na relação com as mulheres. Há um quê de conivência,
de comodidade, de conservadorismo, em particular nos circuitos do poder, que
mesmo quando existem mecanismos disponíveis para coibir-se ou punir-se
estas práticas criminosas a sua implementação ainda assim é difícil e
obstaculizada.
Vejam o caso brasileiro, da Lei Maria da Penha que está completando doze
anos de existência. Em que pese a concordância de todos sobre a sua justeza,
ainda assim, tem encontrado resistências na sua aplicação até mesmo no setor
judiciário. Alguns afirmam que estas práticas contra as mulheres é uma
tradição cultural, outros que está assentada em fundamentos religiosos
(notadamente os evangélicos) e outros tantos legislam em causa própria, pois
caso aplicassem a lei, seriam seus próprios algozes.
Enfim, é fundamental que a sociedade brasileira como um todo e não apenas
as mulheres, adote urgentemente medidas, ações e legislações que não
apenas protejam as mulheres dessa violência generalizada, mas que
assegurem o direito pleno delas serem tratadas com respeito e dignidade,
afinal, é isto que esperamos de qualquer sociedade que pretenda ser chamada
minimamente de civilizada.
Viva o Dia Internacional da Mulher
Toca a zabumba que a terra é nossa!
Zulu Araujo
Foi Presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon – Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.
*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas