“Nosso cadinho cultural” O racismo exposto pelas vísceras

Nada melhor que o brilho da democracia para iluminar as trevas do autoritarismo e racismo que ainda se fazem presentes na sociedade brasileira. Refiro-me as declarações feitas pelo candidato a vice-presidente da República – General Hamilton Mourão, que em palestra no Rio Grande do Sul, esta semana, afirmou que o “complexo de vira lata” do povo brasileiro, decorre “de uma certa indolência, que vem da cultura indígena...” e da malandragem. “Nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano”. Arrematando de maneira enfática: “Então, esse é o nosso cadinho cultural”.

Importante frisar que estas afirmações não foram feitas por um brasileiro qualquer, desinformado ou vítima da péssima qualidade educacional a que a maioria dos brasileiros estão submetidos. Não, essa declaração é de um oficial da reserva das forças armadas brasileiras, que é filho de um general, cursou a Academia Militar das Agulhas Negras, fez curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exercito brasileiro e ocupou cargos relevantes no Brasil e no Exterior em sua vida profissional.

Portanto, é pessoa preparada e consciente das suas posições e afirmações. Digo isto, pois é necessário urgentemente que os democratas e progressistas do nosso país entendam de uma vez por todas que uma parcela da nossa população é racista, autoritária e xenófoba e que tem nas candidaturas do capitão Bolsonaro e do General Mourão, sua expressão e representatividade política, mais explícita.

O que me assusta não é o vitupério do General Mourão contra os negros e indígenas, mas o número de adeptos que essas ideias possuem. São quase 20% da população brasileira, ou seja, são quase 40 milhões de pessoas que acreditam e defendem a intervenção militar, que odeiam os negros e indígenas, que são misóginos (odeiam as mulheres e os seus direitos), que são homofóbicos e que acreditam que a solução para a crise política brasileira é matar, matar e matar.

Vejo a declaração do General, muito mais como um alerta aos democratas brasileiros sobre a necessidade de continuarmos com as políticas de ações afirmativas, (pois o racismo e a xenofobia estão mais do que presentes em nossa sociedade), do que como algo estranho ao país. Não nos esqueçamos que este país quase exterminou a população indígena (em nome do progresso e da civilização) e escravizou mais de 5 milhões de africanos, (ao longo de 400 anos) e foi o último país do mundo a acabar com a escravidão.

Para a comunidade negra e seus aliados mais diretos, a fala do General precisa ser entendida como um sinal de alerta de que não há nada consolidado na democracia brasileira, nem mesmo o sentido civilizatório da nossa existência. Nossos aliados políticos, precisam compreender de uma vez por todas que política de ação afirmativa tantas vezes defendidas por mim aqui nesse espaço democrático que é a revista RAÇA não é “mi mi mi”, nem muito menos privilégio e que democracia não se faz apenas com discurso e retórica. Neste sentido, participar das eleições que se avizinham e fazer valer as nossas propostas de combate ao racismo e promoção da igualdade, bem como ampliar o espaço da presença negra na política brasileira é fundamental. Digo mais, a responsabilidade no combate ao racismo não é só nossa (negros), é de todos aqueles que acreditam no ser humano e na democracia enquanto forma política de administrar conflitos, seja ele de que coloração for.

Enfim, para além da indignação que a fala do General causou e da justa indignação que variados setores da sociedade brasileira expressou, é necessário um pouco mais – Dar sequência as políticas de combate ao racismo e a promoção da igualdade em nosso país, pois do contrário, não apenas os negros e indígenas serão vitimas dessas teses retrogradas e colonialistas, mas toda a sociedade brasileira.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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