O cantor Macau fala sobre sua carreira
Compositor da música “Olhos Coloridos” que virou sucesso na voz de Sandra de Sá, o cantor Macau fala sobre sua carreira nesta entrevista
TEXTO: Sandra Almada | FOTOS: Divulgação | Adaptação web: David Pereira
Ele assina a música que se transformou no hino pop da negritude do Brasil. Aos 60 anos, e com mais de 200 obras no currículo, Macau comemora três décadas do lançamento de Olhos Coloridos, na voz de Sandra de Sá. Mas o grande público ainda sabe pouco do artista que é autor da façanha de fazer uma canção valer mais que mil palavras. “A minha contribuição é a música. O meu trabalho é cheio de canções que mostram o sofrimento dos negros em suas várias formas. Em forma de poesia, de canção, eu escrevo a história, a luta e as conquistas do povo negro do meu país”, diz Macau.
Veja trechos da entrevista com o cantor Macau:
Macau, conte-nos um pouco de sua infância. Você vem de família pobre?
A minha infância foi normal na qualidade de negro pobre da favela. Fui criado pelos meus avós, na Favela da Praia do Pinto, hoje Condomínio Selva de Pedra, no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. Lá acontecia de tudo: brigas, tiros, invasão policial. Cresci vendo tudo isso. Meu avô era dono de uma birosca que promovia festas, cantorias, congada, caxambu, samba de terreiro. Tinha de tudo. Na fogueira assavam batatas-doces e carne. Nos fundos da casa, ou, melhor, do barraco, tinha um quintal enorme com árvores e frutas. Eu fui bem criado. Eles tinham dois filhos: eu era filho do Rui Xisto, o filho mais velho.
Como você foi apresentado ao mundo da música e se transformou em compositor?
Morando na Cruzada São Sebastião, criada por Dom Hélder Câmara. Na Cruzada estava instalada a Escola Santos Anjos, construída também por ele no terreno entre a Paróquia Santos Anjos e o Jardim de Alah. Minha avó sempre me levava à igreja. Fiz a primeira comunhão, fui coroinha, fiz parte do coral e me tornei coordenador do Grupo Jovem, no qual cuidei da área musical. Nessa época me tornei um músico, compus canções sacras e concorri no Festival de Música Sacra, em que ganhei o primeiro lugar com a música Eu preciso nascer novamente. Passei a conviver com a música na igreja, e com os amigos da Cruzada, tocando violão e compondo.
Suas experiências pessoais influenciaram nos versos de Olhos Coloridos?
Muito. É resultado de uma forte discriminação racial da qual fui vítima. Olhos Coloridos surgiu de uma repressão policial que sofri em um evento escolar realizado pelo Exército, no Estádio de Remo da Lagoa. Eu e meu amigo Jamil estávamos vendo as crianças brincarem na roda-gigante, quando um policial militar veio até a mim e me obrigou a acompanhá-lo até a coordenação do evento. Me recusei porque não entendi o motivo pelo qual tinha que me afastar de onde estávamos. Acabei acompanhando o PM, que me levou até o Sargento e, a partir daí, sofri todos os tipos de discriminação: fui chamado de “nego abusado”, agredido com palavras e força física, zombaram da minha cor, da minha pele, do meu cabelo e de minha roupa, riram até do meu sorriso. O impressionante é que o policial também era “sarará crioulo”.
Negro discriminando outro negro…
Mas não parou aí: fiquei horas no camburão com outras pessoas como se fôssemos lixo, um por cima dos outros, como lata de biscoito. Rodamos horas pela cidade até que resolveram nos levar para a delegacia para averiguação. Não havia nada que me mantivesse preso e, mesmo assim, só de madrugada fui liberado com a ajuda do padre Bruno Trombeta, da Pastoral Penal. Saí dali triste e revoltado, chocado e com forte depressão.
Foi logo depois que compôs seu belo hino-denúncia?
Não consegui ir para casa. Fui para a praia onde refleti sobre tudo que tinha acontecido comigo. Chorei muito olhando para o mar e foi aí que surgiu a primeira frase “os meus olhos coloridos me fazem refletir…”. Imediatamente fui para casa, peguei meu violão e, em poucos minutos, compus Olhos Coloridos. Ela veio de uma manifestação pessoal, uma expressão de revolta. Por isso minha música é subterrânea, é uma fusão afro-brasileira do meio ambiente em que vivo.
Sua música vem conscientizando e encantando gerações como hino pop da negritude, popularizada, sobretudo, na voz de uma diva da black music. Como é sua relação com Sandra de Sá?
Sandra de Sá gravou Olhos Coloridos pela primeira vez no LP Sandra Sá, em 1982, gravação original em que toquei meu violão, com arranjos de Serginho Trombone e produção de Durval Ferreira. Esse LP selou definitivamente a minha parceria com ela, que dura até hoje, sempre com Olhos Coloridos à frente de tudo. Em 1982, no LP Sandra de Sá & Banda Black Rio, a música foi gravada em uma versão que até hoje é executada nas rádios brasileiras. Houve novas versões em 1986, 1994, 2004, fora as inúmeras apresentações em que ela canta esta canção.
Se tivesse que compor uma canção para chamar a atenção da sociedade brasileira contemporânea sobre a questão racial,manteria a mesma letra de Olhos Coloridos?
Sim! Essa canção está cada vez mais atual, por incrível que pareça. Ela é o hino da juventude negra. Se tivesse que compor,agora, uma canção para chamar a atenção da sociedade, eu a comporia de novo.
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