O jornalista Heraldo Pereira fala sobre a carreira

Na matéria de capa de nossa edição número 165, confira a entrevista com o jornalista Heraldo Pereira

 

TEXTO: Amilton Pinheiro | FOTOS: Divulgação TV Globo/Sérgio Seiffert| Adaptação web: David Pereira

Heraldo Pereira | Foto: Divulgação TV Globo

Heraldo Pereira | Foto: Divulgação TV Globo

Estamos acostumados a vê-lo tranquilo e sempre contido nas palavras e nos gestos quando apresenta, entre outras coisas, o quadro Pinga-Fogo, que vai aoar no Jornal da Globo. No entanto, Heraldo Pereira, de 50 anos de idade e mais de 30 anos de carreira, saiu um pouco dessa postura de calmaria inabalável para falar sobre o episódio envolvendo o jornalista Paulo Henrique Amorim, que, em fevereiro de 2012, foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Brasília a se retratar e a pagar uma indenização de R$30 mil a Heraldo (doada a uma instituição de caridade). “No mundo de hoje, ninguém pode ser ofendido como fui, pelo fato de ser negro. O agressor não faz uma análise profissional, política ou comportamental da minha pessoa. Ele faz uma leitura intolerante a partir da racialidade. Destaca sempre como fato a ser distinguido a cor da minha pele e desmerece a minha pessoa num gesto de crueldade”, protestou o jornalista. Nessa entrevista, Heraldo Pereira lembra do início da sua carreira e fala sobre o jornalismo opinativo. Veja trechos da entrevista com o jornalista Heraldo Pereira.
São quantos anos de jornalismo?

Essa pergunta me faz lembrar que estou ficando velho. Comecei minha carreira em 1978, na Rádio Renascença, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Depois fui trabalhar em jornal. E, logo em seguida, fui para uma filiada da Globo, em Ribeiro Preto, que era, na época, TV Ribeirão. Faz tempo, em 1978! (diz, pausadamente, para depois cair na gargalhada).

Você sente falta de exercer um jornalismo mais opinativo, no qual pudesse expressar mais suas ideias, poder falar de um assunto de forma mais pessoal?

Eu, como jornalista, não gosto de dar opinião. Sou um jornalista que não gosta de expressar meu ponto de vista. O que eu gosto é de descrever os fatos, com o máximo de isenção possível. Eu sei também que a isenção é uma meta a ser atingida. Nós temos as nossas ideologias, nossos preconceitos, nossos conceitos. Então, busco sempre essa isenção “ideal”. O que gosto é de descrever fatos. Se alguma vez tenho que dar opinião, fico incomodado. Eu sempre tento ver a maturidade do receptor da informação e não a formatação que eu vou dar. Prefiro que o receptor da informação, no caso o público, tenha uma abordagem crítica, que faça a crítica. Posso até identificar o jornalista que está dizendo isso, porque ele apurou ou porque tem uma ideologia. Mas prefiro que o público possa fazer esse lado crítico. Sou contrário aos que dizem “Virou jornalista para dar opinião”. O público tem maturidade para identificar as informações que passamos e tirar suas conclusões com base nelas.

 

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“Nas minhas veias corre, com muito orgulho, sangue de quem foi escravo e ajudou a fazer deste o nosso país” | FOTO: TV Globo/Sérgio Seiffert

O que o racismo do Paulo Henrique Amorim representou para você?

No mundo de hoje, ninguém pode ser ofendido, como fui, pelo fato de ser negro. O agressor não faz uma análise profissional, política ou comportamental da minha pessoa. Ele faz uma leitura intolerante a partir da racialidade. Destaca sempre como fato a ser distinguido a cor da minha pele e desmerece a minha pessoa num gesto de crueldade. Nós negros sabemos bem qual foi a intenção do réu ao dizer que eu, com mais de 30 anos de carreira jornalística e um título de mestre em direito constitucional, não tenho “nenhum atributo para fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde”. São expressões racistas que foram seguidas de um jargão máximo da intolerância: “é um negro de alma branca”. É algo abjeto, que não posso admitir, sobretudo, partindo de quem deve fazer da comunicação um ofício ético e democrático e não uma ferramenta da intolerância. Fora as outras agressões raciais que ele fez diretamente e admitiu em forma de comentários em seu blog no papel de moderador. Sou negro, sempre me empenhei em todas as lutas contra os preconceitos e as intolerâncias desde garoto. Sou de uma família de operárias, empregadas domésticas, pessoas residentes em conjunto habitacional de Cohab e que sempre sofreram o racismo na carne. Não vou permitir que um indivíduo que faz propaganda do que é ser negro em suas rodinhas de convertidos tardios ao esquerdismo, todos criados em berço de ouro, venha me dizer o que é ser negro. Nas minhas veias correm, com muito orgulho, sangue de quem foi escravo e ajudou a fazer deste o nosso país. Exigimos respeito com a história de quem construiu o Brasil. Por isso, não poderia deixar essa campanha imunda, com contornos de inveja, passar como se nada tivesse acontecido. Não honraria o meu passado e nem a luta de negros e brancos que combatem o racismo. O meu agressor chegou a dizer, em sua defesa judicial, que se considera um expoente da luta pela igualdade racial, num gesto de arrogância desmedida. E recebeu uma firme reprimenda do juiz criminal do TJDFT, Márcio Evangelista Ferreira da Silva, para quem, só adere à Lula pela igualdade racial, os que veem diferença entre raças, fato já rechaçado pela genética. Numa das peças de sua defesa, o réu chegou a dizer que ao usar a expressão “negro de alma branca”, o fez para me elogiar. Pode isso? Só eu e a minha família sabemos a dor que sofri ao ler todo aquele lixo em formato de texto. É algo indescritível e que, no fundo, jamais será reparado, eu bem sei. O próprio juiz Daniel Felipe no julgamento da ação civil disse isso. Entretanto, eu sempre acreditei na Justiça e continuo acreditando.

Foi difícil seu começo no jornalismo. Houve muito preconceito. Como você lidava com isso?

Sempre é difícil começar na carreira. A jovialidade, a insegurança, o frio na barriga… Quem nunca passou por isso? Na TV, comecei cedo, em 1980, aos 18 nos. Entrei na EPTV Ribeirão e não me lembro de ter enfrentado qualquer tipo de discriminação pelo fato de ser negro. Na Globo sempre fui visto como uma promessa profissional. Aprendi lá dentro que a competência e o esforço falam mais alto. E assim deve ser. Devo muito a profissionais do jornalismo que estão hoje na Globo e a tantos outros que passaram por nossas redações, O único caso de ressentimento, intolerância e pequenez que vivi na profissão foi este em evidência. Esse indivíduo parece fazer parte do grupo que quer perpetuar a perseguição aos negros deste país. Fomos tratados como objeto por séculos e marginalizados após a escravidão. O padrão social em nosso país esteve sempre de costas para a África. Daí a intolerância para com a nossa cor de pele, nossa feição e nosso cabelo. Só servíamos para o que eu passei a rotular de práticas músico-esportivo-servis. Portanto, ser jornalista, para esse grupo, é uma agressão, afinal, estou fora do “cercado estabelecido por eles”. Nesta dimensão, a intolerância prospera e o preconceito é inevitável. Para superar maiores de superar as intolerâncias e os preconceitos contra os descendentes de escravos. Afinal, temos uma só amálgama, não é mesmo? Quem, em sã consciência, é capaz de negar, como valores máximos de nossa cultura, o samba que nos deu a ginga, o gosto da nossa feijoada e a proteção de Nossa Senhora Aparecida?

Quer ver essa e outras entrevistas e reportagens da revista? Compre essa edição número 165.

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