O racismo que não respeita nem a quarentena
Realmente nosso país não está para brincadeira, muito menos para amadores. É uma tragédia atrás da outra, seja no campo da saúde, economia, cultura ou educação. Tudo virado de cabeça pra baixo com a intolerância e a ignorância dando a tônica, para completar, dia sim, dia sim, ele se apresenta: o racismo.
Ora ele se manifesta via assassinato de jovens negros pela periferia afora, obra realizada com requintes de perversidade pelo aparato de segurança do Estado; ora se apresenta nos espaços privilegiados onde a maioria da burguesia branca acha que lhes pertence. Na mesma semana em que um garoto de 14 anos, que estava dentro de casa brincando com amigos da mesma idade, num bairro periférico do Rio de Janeiro foi brutalmente alvejado e a Polícia Civil Carioca, sumiu com o corpo dele, por quase 24h, só sendo encontrado pela família após campanha nas redes sociais, tivemos outro triste acontecimento.
Nós sequer havíamos respirado e surge um novo fato do racismo premeditado, à brasileira: Uma garota, também de 14 anos, estudante de uma das escolas mais nobres e caras do Rio de Janeiro (Colégio Franco-Brasileiro), de origem senegalesa -. Ndeye Fatou Ndiaye, denunciou que seus colegas, (alunos da 1ª série do Ensino Médio do referido colégio) a estavam discriminando nas redes sociais, da forma mais brutal e chula, com frases como: “Um negro vale um pedaço de papelão”, “Para comprar um negro, só com outro negro mesmo”, “Ela fede a chorume”, “Escravo não pode. Ela não é gente”.
A menina, apesar da sua pouca idade, não se intimidou e reagiu publicamente, afirmando: “Estamos em 2020, são diálogos que não deveriam estar acontecendo. Foi uma coisa que me deixou bastante indignada e triste pelos meus professores”, explicou a estudante.” E a rede de apoio e solidariedade se espalhou rapidamente, com várias personalidades negras, notadamente femininas como a atriz Taís Araújo e a cantora Iza, além de entidades as mais variadas, condenando veementemente mais este caso de racismo explicito.
O colégio, reagiu do mesmo modo que a elite brasileira tem tratado a questão racial ao longo dos séculos, com hipocrisia e cinismo, emitindo uma Nota Pública, quase padrão em que não diz nada, para não fazer nada: “O Colégio Franco-Brasileiro repudia qualquer tipo de atitude racista ou discriminatória. Nos 105 anos de história da nossa instituição, preservamos vários valores que são caros para nós. Entre eles, o da igualdade racial.” Mas, fica uma pergunta que não quer calar: Que medidas efetivas o colégio tomará para punir seus alunos racistas?
Essa Nota do Colégio Franco-Brasileiro, me fez lembrar uma outra Nota, emitida pelo Colégio Edem, também da elite carioca, em abril de 2019, quando os pais de uma garota de 7 anos a retiraram da Escola por estar sendo vítima de racismo. “Por mais de um ano nos vimos falando praticamente sozinhos sobre a necessidade de diversidade racial nessa instituição. E não falamos sobre isso apenas por ideologia, falamos por necessidade, por apostamos nessa escola para colaborar no processo educacional das nossas três filhas”.
Ou seja, é evidente que estes fatos remetem a origem dessas crianças e adolescentes, oriundas de famílias abastadas e com discurso e práticas racistas. O que elas estão fazendo nas escolas é reproduzir o que ouvem e veem em casa. Nada mais. Por isso a gravidade do assunto. São as nossas crianças, pretas e brancas sendo contaminadas e atingidas pelo crime racista, desde a tenra idade e muitas delas (as negras) pagando com a própria vida.
Há que se adotar providências urgentes, mobilizar todos os setores e exigir dos poderes públicos, em particular da Justiça e da Educação, que adotem medidas imediatas para o estancamento dessa tragédia que continua a se abater sobre a sociedade brasileira, especificamente sobre as crianças e jovens negros.
Toca a zabumba que a terra é nossa!
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