O último paciente, de Lucilene Manhães

A indicação desta semana é sobre o livro de Lucilene Manhães, “O último paciente”, que conta os desafios, inclusive éticos, de uma médica durante a pandemia de Covid-19. A sugestão da semana também apresenta os lançamentos de Oswaldo de Camargo e Cida Bento

Escrever, sobretudo em um país onde o analfabetismo é uma realidade, não é óbvio. Escrever rápido – o livro foi escrito em poucos dias e, ainda assim, conseguir manter o leitor atento e à espera de pontos de virada de uma história é um desafio ainda maior.

O livro de Lucilene Manhães, lançado neste ano de 2022, é uma boa dica de leitura para momentos despretensiosos ou de reflexão sobre o passado, o presente e, especialmente, sobre escolhas que podem conduzir ou construir o futuro.

O livro é recheado de comentários e observações que esquecemos, às vezes, de fazer ou dizer. A narradora não perde a oportunidade de dizer obviedades necessárias. As histórias de Beto e Marina são comuns e, por isso mesmo, interessantes. Os personagens são simples e carregam angústias, dilemas e atravessam situações que pessoas comuns passam diariamente.

Com 144 páginas, duas partes, “O último paciente: quando a luta pela vida desafia a ética” narra a história de Marina Morena, uma mulher negra, médica, que cedeu a todos e a tudo e, mesmo sendo mais que útil, dá pouca atenção a si mesma, às suas necessidades e, especialmente, às suas vontades.

Se não fosse uma breve descrição física da personagem, não a entenderia como uma mulher negra, porque diferente da maioria das pessoas negras, ela não vivencia o racismo. Sorte dela, que é uma obra de ficção e que nos permite pensar a partir da ausência ou da distância do racismo.

Contudo, muito antes de chegar na história de Marina Morena e seus dilemas, inclusive éticos, a autora descreve, meticulosamente, em toda a primeira parte do livro, a vida de Beto, desde a infância até a fase adulta, quando é fortemente impactado pela pandemia de Covid-19.

Beto é um homem de poucas ambições, ainda que muito dedicado à sua namorada, Lívia, e as vontades do sogro Walter e da sogra Dora. Por quase duas décadas ele vive à espera de uma profecia catastrófica, que chega até ele como o novo coronavírus.

Não há surpresa com relação ao desfecho desse personagem que acaba virando, assim como Marina Morena, fruto do próprio contexto. Ainda assim, o leitor até pode encontrar trechos de leve suspense, críticas à gestão do governo com relação ao enfrentamento da pandemia e conflitos do personagem com a fé.

Marina Morena constrói sua vida ancorada na vontade de seus pais, do marido e na ética e responsabilidades de seu ofício, a medicina. Conformada com essa situação, o máximo que ela faz é ser coerente e responsável consigo mesma e com seus pacientes, até que uma reviravolta e a descoberta de traições a fazem repensar sua existência.

Envolta em um turbilhão de acontecimentos e enfrentando os meses mais difíceis da pandemia e à frente de um hospital de campanha, a Dra. Marina decide mudar o rumo de sua própria história. Isso acontece lenta e cautelosamente. Ela não rompe com ninguém, ela ressignifica as relações rumo a um final feliz aparentemente comum, mas inalcançável para muitas pessoas.

Terminei a leitura com apetite para mais capítulos, ansiosa por conhecer mais de Marina Morena e seus conflitos futuros, já sabendo do seu rompimento com o medo e na construção de novos caminhos a partir de suas próprias escolhas.

Lançamentos

30 poemas de um negro brasileiro, de Oswaldo de Camargo

Antologia inédita de poemas de Oswaldo de Camargo, escritor que desmonta, através da literatura, alguns castelos em que se escondem o preconceito e o racismo. Esta edição conta com prefácio de Florestan Fernandes e obra de capa de O Bastardo. Fonte: Companhia das Letras. 

O Pacto da Branquitude, de Cida Bento

Neste livro poderoso, Cida Bento – eleita em 2015 pela The Economist uma das cinquenta pessoas mais influentes do mundo no campo da diversidade – denuncia e questiona a universalidade da branquitude e suas consequências nocivas para qualquer alteração substantiva na hierarquia das relações sociais. Fonte: Companhia das Letras. 

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Jornalista com experiência em gestão, relações públicas e promoção da equidade de gênero e raça. Trabalhou na imprensa, governo, sociedade civil, iniciativa privada e organismos internacionais. Está a frente do canal "Negra Percepção" no YouTube e é autora do livro 'Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia'.

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