Onde estão os heróis negros

Leia a coluna de Moisés da Rocha sobre os heróis negros

 

TEXTO: Moisés da Rocha* | FOTO: Divulgação | Adaptação web: David Pereira

Leia a coluna de Moisés da Rocha sobre os heróis negros | FOTO: Divulgação

Leia a coluna de Moisés da Rocha sobre os heróis negros | FOTO: Divulgação

 

“Ó vós povos (…) sereis livres para gozardes dos bens e efeitos da liberdade; Ó vós povos que viveis flagelados com o pleno poder do inimigo coroado, esse mesmo rei que vós criastes; esse mesmo rei tirano é quem se firma no trono para vos vexar, para vos roubar e para vos maltratar. Homens o tempo é chegado para a vossa ressurreição, sim, para ressuscitardes do abismo da escravidão. A liberdade consiste no estado feliz, no estado livre do abatimento; a liberdade é a doçura da vida, o descanso do homem com igual paralelo de uns para outros, a Liberdade é o repouso, a bem-aventurança do mundo.”

Este era o teor dos cartazes manuscritos colados nos muros na Bahia, em 1798, que marcaram a história do nosso país. O movimento político-social era liderado por pardos escravos e livres, negros escravos e negros forros. A jovem plebe rebelde visava a emancipação do Brasil. Inconformado com a situação de opressão que Portugal estabelecera naquela Capitania, o povo se organizou visando a independência e o fim da escravidão. Seus líderes haviam assimilado os princípios liberais da Revolução Francesa e desejavam usar essa ideologia libertária como princípio condutor da rebelião. A essa conjuração juntaram-se artesãos, soldados, alfaiates, sapateiros, entre outros. Além da conclamação, os conspiradores preparavam-se para o movimento militar. As autoridades tomaram as primeiras providências para reprimir a conjuração: o autor dos manuscritos, Luis Gonzaga das Virgens, foi preso. Com o surgimento de mais denúncias, intelectuais se retiraram dabatalha, por exemplo, Cipriano Barata.

Tendo sobrado somente a plebe, iniciou-se uma repressão mais violenta contra os conspiradores, que tentaram ainda um fracassado contato com os escravos dos engenhos, com os quais contavam para a luta. Seus principais líderes, e grande parte dos envolvidos, foram presos e julgados implacavelmente no ano de 1799. Luis Gonzaga das Virgens, João de Deus do Nascimento, Lucas Dantas e Manuel Faustino dos Santos Lira foram condenados à morte na forca e esquartejamento; Romão Pinheiro recebeu a mesma sentença, com o agravante de serem seus parentes considerados infames. Essa pena foi, posteriormente,atenuada para degredo; o escravo Cosme Damião foi banido para a África; O pardo escravo Luis da França Pires, mesmo foragido, foi condenado à morte, com a justiça dando a qualquer pessoa que o encontrasse o direito de matá-lo. Em novembro do mesmo ano, aconteceram as execuções na Praça da Piedade, em Salvador, Bahia, de Lucas Dantas e Manuel Faustino, que se recusaram a receber extrema-unção oferecida por um padrefranciscano. Chama-nos a atenção a pouca idade desses heróis: Lucas Dantas e João de Deus do Nascimento tinham vinte e quatro anos, Manuel Faustino dos Santos Lira, vinte e três anos e Luis Gonzaga das Virgens, trinta e seis.

Segundo o sociólogo, jornalista, escritor, historiador e ativista do movimento negro brasileiro Clóvis Moura (1925- 2003), fonte dessas informações para a Assessoria para Assuntos Afrobrasileiros (Projeto Zumbi-85), da Secretaria de Estado da Cultura de SP, “… a Inconfidência Baiana foi o mais importante movimento político-social que antecedeu a nossa Independência, um movimento de jovens oprimidos contra a violência colonial.

Reverenciar a memória dos seus heróis é aceitar o seu legado de luta e desafio contra as discriminações, os preconceitos e a opressão!”. A história oficial marginaliza os heróis negros, mas também o próprio povo negro se esquece deles. Heróis que deram suas vidas em causas nobres, como igualdade de direitos, dignidade e liberdade, estão cada vez mais fora de moda. Onde estão nossos historiadores? Onde está nossa juventude pesquisadora, questionadora? Dia desses, li que um novo livro sobre o maior conflito bélico da América do Sul – a Guerra do Paraguai, onde estiveram envolvidos Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – tem uma “nova e revolucionária versão, derrubando inclusive o mito da participação dos negros e índios.” Será que na Segunda Guerra Mundial, nos movimentos libertários que antecederam a independência do Brasil, no combate ao tráfico de escravos, na Guerra do Contestado, na Revolução Constitucionalista de Trinta e Dois, na luta contra a ditadura militar e tantos outros movimentos, os negros também não estiveram envolvidos? Foram passivos? Alienados? Indiferentes? Até pra se falar sobre Zumbi, sobre a resistência dos Palmarinos – que ao mesmo tempo simbolizam os incontáveis quilombos espalhados por todo o Brasil – já é uma luta.

*Moisés da Rocha é radialista e responsável pela criação do programa O samba pede passagem

 

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