Para especialistas no Maranhão, Dia da Consciência Negra é um momento de reflexão

Comemorado nesta terça-feira (20), o Dia da Consciência Negra foi uma data criada para prestar uma homenagem aos afrodescendentes e ressaltar o papel do negro no meio social, cultural, político e econômico. Além disso, a data faz um alerta sobre a importância em conscientizar a população sobre o racismo e o preconceito que continua evidente mesmo após os 130 anos da abolição da escravatura.

O G1 entrevistou o antropólogo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Carlos Benedito Rodrigues da Silva, que contou sobre a condição dos negros no mercado de trabalho e no processo educativo brasileiro. “Essa exclusão é histórica. Desde a abolição a população negra foi excluída do processo participativo na sociedade. O único trabalho que era realizado por eles era de mão de obra dos imigrantes europeus. Naquela época, existiam leis com relação a educação, criadas para evitar que o negro chegasse a escolaridade”, explicou.

Para o antropólogo, esse processo histórico vem se desenvolvendo ao longo dos anos e foi marcado pelo racismo, considerado pelo especialista a principal barreira para ascensão social da população negra nos espaços considerados importantes. Ele explica que o racismo foi abraçado pela população brasileira e, nos últimos anos, os casos têm se tornado cada vez mais explícitos.

“Por conta do racismo, nós ficamos excluídos das possibilidades de participação no processo de desenvolvimento do país preenchendo, evidentemente ou consequentemente, os índices da marginalidade. Não por incapacidade, mas por um processo histórico que nos exclui de uma qualificação melhor pelo fato de existir uma grande rejeição na convivência social com os negros”, afirmou.

Uma pesquisa realizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) concluiu que somente 22% de negros são graduados no Brasil. O Censo do Ensino Superior elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) também evidencia o aumento do número de matrículas de estudantes negros em cursos de graduação. Em 2011, do total de 8 milhões de matrículas, 11% foram feitas por alunos pretos ou pardos. Em 2016, ano do último censo, o percentual de negros matriculados subiu para 30%.

A professora doutora em antropologia da Instituto Federal do Maranhão (IFMA), Christiane Mota, que já teve dois livros publicados sobre religiões de matriz africanas publicadas, agradece ao esforço da mãe por ser uma exceção nos índices de negros escolarizados.

“As dificuldades que eu tive não difere de outros negros que seguiram carreira acadêmica: ainda temos pouca representatividade. É uma luta diária. Precisamos estar atentos, resistir e persistir nesses debates, bem como reafirmar a importância das ações afirmativas, das resoluções e portarias que garantem a reserva de vagas para a comunidade negra nas instituições de ensino e órgão públicos. Entretanto, essas ações não são suficientes para compensar as desigualdades históricas construídas socialmente. Nós temos a missão de não nos calarmos diante de quaisquer manifestações racistas, e temos o dever de reforçar o papel das lideranças históricas e marcantes dos movimentos negros”, relatou Christiane.

Para a pesquisadora, casos de racismo não acontecem somente na universidade, mas também em ambientes profissionais. Ela ressalta a questão do racismo institucional que se expressa quando os temas de raça, gênero e religião são considerados exóticos e questionados sobre a relevância.

Precisamos reforçar que tais temas são relevantes para a comunidade científica e para a sociedade como um todo. Vivemos um momento de retrocesso e de possibilidade de perda dos direitos conquistados. O Dia da Consciência Negra é muito mais que um dia para comemorações ou feriado, significa um momento para debates e reflexões, assim como de luta e resistência contra o racismo que não deixou de existir ou de se manifestar cotidianamente. Na verdade, as formas de racismo somente modernizaram-se.

Christiane Mota diz ainda que a conscientização na comunidade acadêmica é essencial para a valorização dos negros. “É criar oportunidades para que os negros tenham sua identidade valorizada, assim como formar profissionais da educação sensibilizados e comprometidos com a temática do racismo, pois o racismo é real, é cotidiano. Mais importante ainda, é desconstruir o estereótipo objetivado e exótico do povo negro, aquele restrito ao cultural e ao exótico, mas demonstrar que temos grandiosas contribuições na Literatura, Arte, Religião, Política e na Ciência”, declarou.

Já para a modelo internacional maranhense, Amira Pinheiro, o Dia da Consciência Negra é uma data que tem muito a atribuir as novas gerações sobre os valores dos negros. “Acho muito importante poder relembrar uma data histórica tão enfática na representatividade da raça negra no Brasil, que deve ser propagada diariamente para que possamos ensinar as novas gerações os valores adquiridos pelo povo negro em tantos anos de luta em que nossos ancestrais colaboraram para a construção e evolução econômica, social e histórica da nossa sociedade perante a desigualdade dos direitos humanos”, relatou.

Amira, de 22 anos, também conta que sair recepcionista para uma carreira de modelo internacional fez com que sua forma de pensar e de ver o mundo fossem ampliadas. Ela revela que sofreu preconceito racial quando ainda morava em São Luís, mas que sempre teve suporte dos pais que deram uma boa educação e a defendiam quando necessário.

Meu conselho é impor respeito, mostrar para esse tipo de pessoa que não tem educação que você tem valor e que deve ser respeitado como qualquer outro ser humano pois somos todos iguais. Não é a opinião de uma pessoa pequena e sem cultura ou uma sociedade de pensamento inóculo que vai mudar a porcentagem de melanina que você tem nos seus genes ou a pessoa que você é. Afinal, discriminação é crime e todos nós temos direitos iguais perante a lei.

O antropólogo Carlos Benedito da Silva diz que apesar das barreiras, o negro a cada dia conquista seu espaço na sociedade e que o processo de aceitação se não for bem avaliado causa danos severos nas relações sociais.

“A nossa chegada em alguns espaços evidenciou o incômodo para a sociedade brasileira. Ainda somos vítimas de preconceito, no tratamento, na forma como nos olham, não reconhecimento da nossa capacidade. Tudo isso ainda é por conta de um processo escravista violento, que nos retirou da condição de humanidade e que não nos reconhece nessa condição ainda hoje. Mesmo que nossa presença na sociedade brasileira seja reconhecida do ponto de vista da cultura, esse reconhecimento fica apenas no aspecto lúdico da cultura. É preciso que todas as organizações sociais, partidos políticos e movimentos sociais reflitam sobre a importância ou a permanência do racismo na população brasileira como um mecanismo de exclusão que é extremamente danoso para as nossas relações sociais”, finalizou.

Fonte: Globo

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