Partidos investem três vezes mais em candidaturas de deputados brancos do que de negros

Com menos recursos, pretos e pardos equivalem a um quinto dos 513 deputados federais
Érika Motoda, Éros Mendes e Guilherme Osinski

Jornalista e militar, Eduardo Gonçalves Ribeiro foi o primeiro deputado federal negro no Brasil, eleito em 1897. Mais de um século após a eleição de Gonçalves, a presença de negros no parlamento brasileiro ainda é algo incomum. Atualmente, de acordo com levantamento realizado pelo Estado, a Câmara tem 21 parlamentares que se declaram negros e 82 que se consideram pardos. Em relação às 513 cadeiras, são 103 deputados pretos e pardos, que representam pouco mais de um quinto da composição da Casa.

A escravidão, o conservadorismo dos eleitores e a falta de apoio dos partidos ajudam a explicar a baixa presença de negros na política brasileira, segundo José Henrique Artigas, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). “São resquícios da nossa sociedade, de tradição escravocrata. Infelizmente, o eleitorado é conservador e preconceituoso”, observa o especialista. Confira, abaixo, o panorama político dos negros no Brasil.

Negros arrecadam menos do que brancos para investir nas campanhas?

Sim. Dos 32 partidos que declararam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a verba destinada aos deputados em 2014, apenas dois — PCdoB e PCB — destinaram um valor maior aos negros do que aos brancos. Ao todo, nos levantamentos a seguir, foram contabilizadas pelo Estado 7.074 candidaturas autodeclaradas de negros, pardos e brancos.

Os 701 candidatos negros arrecadaram um total de R$ 55 milhões, com investimento de R$ 78 mil por candidatura. Arrecadou-se para os 2.229 candidatos pardos um pouco menos de R$ 209 milhões, ou seja, a média é de R$ 93 mil para cada. Enquanto isso, um candidato branco recebeu em média mais de três vezes o valor que um político negro dispôs em 2014. Os 4.144 brancos receberam quase R$ 1,2 bilhão em doações, o que representa aproximadamente R$ 285 mil para cada um desses políticos investir em suas campanhas.

Negros gastam menos do que brancos em suas campanhas?

Sim. Na eleição de 2014, enquanto os 701 candidatos que se autodeclararam negros tiveram gasto individual de R$ 80 mil, segundo levantamento do Estado, os 4.144 candidatos brancos desembolsaram em média R$ 288 mil cada um. Os 2.229 candidatos que se autodeclararam pardos também tiveram mais recursos para gastar em suas campanhas, com despesas individuais de R$ 92,4 mil, na média.

Para o doutor em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Bruno Lima Rocha, candidatos negros recebem menos recursos em decorrência de sua relação com os partidos políticos. “Os negros gastam menos porque não são fortalecidos por seus partidos. Outro fator pode ser a fragmentação das candidaturas negras, não havendo candidaturas de maior envergadura, como de alguma personalidade influente do movimento negro.”

Quem são os partidos que mais elegem negros na Câmara?

Proporcionalmente, PSOL e PC do B são os partidos que mais elegeram negros como deputados federais, com 20% da bancada. Em números brutos, quem se destaca é o PT. A sigla elegeu 7 negros e 11 pardos. Quem menos elegeu negros foi o PMDB, com 1,6% de representação na Casa.

PT do B e PTC foram os partidos que mais elegeram deputados que se autodeclaram pardos, com o equivalente à metade das bancadas na Câmara. Dos partidos com representantes na Casa, sete não elegeram nenhum candidato pardo.

Existem cotas para a candidatura de negros?

Não. Os partidos não são obrigados por lei a lançar um número mínimo de candidatos negros, ao contrário do que já ocorre com candidaturas de mulheres desde 2009. Um projeto de lei de autoria do senador João Capiberibe (PSB-AP) que prevê a destinação de no mínimo 5% do total dos recursos partidários aos candidatos afrodescendentes tramita na Câmara desde 2013. O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) em agosto de 2017, mas não previsão de votação no plenário.

Se aprovado, o texto de Capiberibe acrescentará um dispositivo à Lei nº 9.096/1995, para diminuir a disparidade econômica entre os candidatos negros dentro dos partidos. Um mecanismo similar relacionado ao gênero já está em vigor desde 2015 e também prevê a destinação de no mínimo 5% dos recursos às mulheres.

O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) diz que o movimento negro está atrasado em relação ao das mulheres porque a comunidade negra não conseguiu unificar bandeiras para articular mecanismos de participação parlamentar. “Elas se organizaram há mais tempo para ter uma representação”, reconhece o deputado, mas argumenta que a luta feminina por maior representação é impulsionado pelo debate crescente mundo afora sobre cotas de vagas nos parlamentos para mulheres. “Em âmbito mundial, a organização da bandeira de paridade de gêneros acaba pressionando o parlamento e abrindo espaço para a representação feminina”, afirma.

Qual foi o primeiro projeto de lei sobre políticas públicas de igualdade racial?

Chamada de ação compensatória, o PL 1.332/83 foi a primeira proposta de implementação do princípio da isonomia social do negro em relação aos demais segmentos étnicos do Brasil. O texto, apresentado em 1983, era de autoria de Abdias Nascimento, figura marcante da cultura negra e fundador do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro). A proposta recebeu parecer favorável nas comissões, mas uma resolução da Câmara determinou que todas as proposições de deputados que tramitavam até a véspera da publicação da Constituição de 1988 fossem arquivadas. Entre elas, estava o projeto de Abdias.

Em 1993, o sociólogo Florestan Fernandes, também engajado no combate ao racismo, foi reeleito deputado federal pelo PT-SP. Florestan elaborou uma proposta de emenda constitucional que previa políticas para redução da desigualdade racial no Brasil, tais como a garantia de terra e a inserção de afrodescendentes nas instituições de ensino público. Mas um acordo entre líderes partidários determinou que a proposta não seria votada. “Florestan propôs o primeiro e único projeto para incluir o capítulo dos negros na Constituição”, afirma José Henrique Artigas, doutor em Ciência Política pela USP e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). “Embora não tenha sido aprovada, a iniciativa se consolidou mais tarde com a autodeclaração de etnia, a consideração da afrodescendência na formulação de políticas públicas e também com as cotas.”

Assim, o primeiro projeto de lei sobre políticas de igualdade racial só foi aprovado em 1994, proposto novamente pelo então senador Abdias Nascimento ao governo do Rio de Janeiro. Ele solicitou a criação de uma delegacia para crimes raciais ao governador Leonel Brizola, que assinou o decreto. Algum tempo depois, Nascimento apresentou outros três projetos que tratam do crime de racismo. Dois, no entanto, foram arquivados no Senado. Já o PLS 114/97, que trata da proteção à honra e dignidade de grupos raciais, étnicos e religiosos, aguarda votação na Câmara dos Deputados desde 2007.

O que pode vir de novo nesse cenário?

A Frente Favela Brasil (FFB), organização que busca mais protagonismo e dignidade para os negros e moradores de favelas e periferias brasileiras, tentou homologar a criação de seu partido no TSE para as eleições de 2018. Porém, para obter a sigla e o número eleitoral, o partido precisa conseguir, no mínimo, 490 mil assinaturas de eleitores não filiados que apoiem o movimento.

Como a FFB não obteve o montante mínimo até o fim de novembro, não há mais tempo hábil para participar do pleito em 2018. A sigla conseguiu registro no cartório civil em agosto deste ano, possui CNPJ e já registrou o estatuto do partido no TSE, o que deve facilitar a participação da organização nas eleições municipais de 2020. A estratégia agora é buscar partidos que possam abrigar as candidaturas da FFB para a Câmara na disputa do próximo ano, debatendo o assunto com as principais lideranças políticas em cada Estado.

Para o presidente da FFB, Derson Maia, é possível eleger mais negros. “O contexto mostra que há um esgotamento do sistema político. Queremos trazer visibilidade para essa parcela considerável de brasileiros.” Maia ressalta que a Frente procura atender toda a população, não apenas negros e moradores de favelas e periferias. “Existem várias pessoas que concordam com essa ideia e que estão nos ajudando. Brancos, gente da classe média alta, classe artística, quem quer uma mudança.”

O ativista Douglas Belchior, fundador do Movimento Uneafro-Brasil – rede de articulação de moradores de regiões periféricas por meio de cursos de formação política –, também defende um Congresso mais heterogêneo. “Acredito em um projeto político para o povo negro. O enfrentamento do racismo é pressuposto para um país justo.”

Colaboraram Júlia Belas e Luiz Fernando Teixeira

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