Paternidade Negra

Por: Moara Sacchi

Coletivo ajuda pais negros a exercerem a paternidade de forma mais prazerosa e consciente.

Pouco se fala sobre os pais pretos responsáveis, dedicados, afetuosos e sensíveis envolvidos na rotina de seus filhos. É natural que o homem ao descobrir que se tornará pai sinta medo, angústia e insegurança e que surjam questionamentos como: “como preparar meu filho para crescer em uma sociedade racista e desigual?” Ou, ainda: “como não refletir em meus filhos os meus traumas?”, “como explicar para o meu filho que ele não é bem visto ou tratado como igual por seus colegas de sala pela cor de sua pele?”.

Buscando respostas a essas e tantas outras questões, Humberto Baltar, professor e pai do Apolo fundou, junto com sua esposa, Thainá Baltar, o Coletivo Pais Pretos Presentes, que é uma rede de apoio, acolhimento e discussão de questões raciais, com famílias, pais e mães pretos e pessoas brancas que tenham filhos adotivos ou enteadas negras e queiram entender a questão do empoderamento racial.

“Quando eu soube que seria pai, em 2018, vi que não tinha informação sobre empoderamento infantil, paternidade, nada disso e perguntei nas redes quem conhecia pais pretos presentes para me apresentar, os pais que surgiram deram a ideia para a gente fazer um grupo de discussão de paternidade no WhatsApp”, afirma Humberto. Atualmente, o Coletivo produz conteúdo para todas as redes sociais, com uma linguagem acessível e livre do “academicismo”, basta estar interessado em aprender e ensinar através de experiências de vida.

O acolhimento é a principal frente, além da frente do letramento racial e da educação parental afro perspectivada. Segundo Humberto, ainda não se tem nada de educação parental considerando as especificidades do povo preto. Ao procurar educação parental na internet você só encontra educação parental com apego e disciplina positiva que está muito relacionada à branquitude.

“A gente continua ali em um lugar marginalizado, à parte, tentando se situar, então a gente busca princípios que África traz, sobre família, paternidade, maternidade, comunidade e aí sim a gente consegue ter um conhecimento não colonial, que não nos coloca num lugar de sub representatividade”, diz Humberto.

“Outra frente muito importante que surgiu ao longo do trabalho foi a consultoria étnico-racial sobre o antirracismo, masculinidades, antes era só sobre paternidade preta, mas o coletivo ganhou uma outra dimensão”, continua.

O trabalho de Humberto e Thainá vem crescendo desde 2018, hoje o número de pessoas que acompanham o Coletivo é de cerca de 115 mil pessoas. As trocas acontecem com mais frequência no WhatsApp e, segundo Humberto, há uma rotatividade por conta das discussões. Ele afirma que muitas pessoas não estão preparadas para a necessidade do aquilombamento, do letramento racial e principalmente da valorização da ancestralidade africana, para que não surja uma parentalidade alienada.

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Como foi a sensação ao descobrir que seria pai?

Fiquei inundado de alegria no momento que eu soube, mas logo depois dessa alegria veio uma ansiedade muito grande por conta de não haver acolhimento para o racismo estrutural. A gente sabe que o racismo estrutural está aí o tempo todo, não baixa a guarda; então, eu fiquei sem saber onde buscar o acolhimento e essas informações com outros pais, tanto que isso acabou dando origem ao Coletivo, e essa é minha fonte principal de informação. África nos ensina que a gente aprende a ser gente com gente, é na troca com o outro que a gente cresce, com a comunidade, a gente tem livros com diversos valores sobre famílias, que mudam nossa leitura e modo de encarar o mundo e outra coisa que me ajuda demais além da troca e da literatura é o próprio ensino, porque como educador, passo muito tempo com as crianças e tento trazer o que eu aprendo com elas com a minha ligação com meu filho.

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Quais são as dificuldades mais comuns nas experiências masculinas e como isso interfere nas relações com a família?

A maior dificuldade é lutar contra a percepção cultural do que é ser um homem preto. Volta e meia a gente tem pais perguntando como fazer para lidar com essa desumanização constante. Existe a ideia, muito estereotipada, de que o homem preto é aquele cara que é uma máquina de sexo, que não tem a sensibilidade aflorada e aí quando esse homem quer ser quem ele é, muitas vezes não vê espaço pra isso porque sua parceira se cativou por um discurso pronto dessa masculinidade. Muitos de nós tentamos nos encaixar no padrão que o racismo traz, porque ele é o único padrão que a gente conhece. Fanon no “Pele negra, máscaras brancas” diz: “Se eu não tenho como ser humano nessa sociedade, eu vou ser aquilo que a sociedade dá para mim” e o papel que se dá ao homem negro é o pegador, é o violento ou, pior ainda, é o criminoso. A segunda é a principal que deu origem ao nosso coletivo, que é como empoderar meus filhos pretos. Teve um pai que perguntou pra gente: “o meu filho de quatro anos não quer ir para a escola porque o coleguinha falou pra ele que não gosta de sentar perto de menino preto” e ele pergunta: o que eu digo pra esse meu filho? Como eu trato com ele sobre essa questão? Essa, eu diria que, infelizmente, é uma pauta permanente, no Brasil quem tem filhos pretos sempre vai passar por episódios desse tipo e a primeira pauta da desumanização também, o sofrimento do homem preto não comove e não gera empatia e eu percebo que várias pessoas em escalas diferentes levam a mesma questão.

E a terceira é uma coisa que casa com a ideia do machismo, que é não falar sobre seus sentimentos e isso afeta principalmente o relacionamento com a família.

Então, o que dificulta é isso, essa leitura social que o patriarcado e que o machismo dá do que é ser homem, porque a gente sabe que nessa leitura, para ser lido como homem você tem que ter três coisas principais que é ser provedor, ser aquele cara que está provendo a família com recursos e isso nesse momento de pandemia é dificílimo para o homem preto que está encabeçando as taxas de desemprego, a gente tem que ser além de provedor, protetor, ou seja, proteger a prole e a família e isso é muito difícil já que a gente está em plena pandemia e ninguém sabe quem vive e quem morre, quem vai ficar doente e quem não vai. Até esse próprio homem, que deve ser o protetor, tem medo de contrair a doença a qualquer momento, está inseguro, mas não pode demonstrar essa insegurança e esse homem também tem que ser reprodutor, ou seja, ele tem que ter a capacidade de gerar filhos, o que a ciência já provou que é diretamente afetado pelo estresse, pelo medo e pela ansiedade.

Esses três traços que caracterizam o homem estão em declínio nesse momento em que a gente vive e juntando isso a essa ideia de que o homem protetor tem que ser forte, invencível e seguro de si, o homem não vê como colocar suas dificuldades, suas fraquezas e medos para fora, porque ele tem medo de ser lido pela sua companheira, pelos filhos, como menos homem, por isso.

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