Protagonismo racial entre os CEOs
Cada vez mais a presença, a palavra e as decisões dos presidentes de grandes empresas ganham espaços e muitas vezes determinam ações de impacto, não só nos negócios onde eles atuam, mas em sua comunidade local e até mesmo global. É o caso de Theo Van’der Loo que esteve por anos na Bayer do Brasil como CEO e mesmo aposentado do cargo continua sendo uma voz ativa e muito respeitada no ambiente corporativo, na luta por igualdade racial e maior diversidade no mercado de trabalho. Um pouco sobre sua atuação nessa frente é o que você vai ver nesta entrevista exclusiva para a Revista Raça.
O senhor, em pouco mais de cinco anos, decidiu definitivamente expor publicamente as feridas do racismo institucional brasileiro. O que o levou a fazer isso e quais as suas impressões pessoais sobre o assunto?
Já estava atento a esse problema morando fora do Brasil. Mas aqui, há muito tempo, havia percebido o problema e queria fazer algo a respeito. Não sabia por onde começar e como tratar o assunto até que chegou às minhas mãos uma coleção de livros de cartuns, “30 Anos de Arte Pela Igualdade”. Aquele trabalho tinha muito humor, mas também muita profundidade no assunto. Chamei o autor para um bate-papo e, paralelo, comecei a conversar com os funcionários negros da Bayer para debater o tema.
Costumamos dizer que no Brasil o problema é mais complexo. Qual foi sua impressão, de imediato?
Bota complexo nisso… A primeira dúvida que tive foi como eu os chamaria: negro, preto, afrodescendente? Quando chamei os negros da Bayer para uma primeira conversa, fui logo perguntando: Como vocês querem que eu os chame? Responderam: “Fale como você achar melhor, fale com o coração e isso que queremos ouvir e iremos perceber”. Aí surgiu também o comentário: “Nós não queremos avores, queremos só oportunidade para demonstrar nosso talento, nosso conhecimento”. Isso ficou muito marcado. Perguntei como eu poderia ajudá-los nessa luta e veio a resposta: “Continue conversando e tentando entender o problema”.
O que mudou desde que o senhor começou a tratar do assunto até os dias de hoje?
Pouco. Desde que assumi esta luta, fui convidado a falar em muitas empresas. O que percebo em algumas, depois de muito tempo, quando volto a elas, é que nada mudou. Ainda estamos muito no plano das conversas e de poucas ações, o problema é real, é detectado, mas as ações para mudarem as coisas ainda são tímidas.
O senhor mediou uma das mesas do primeiro Fórum Brasil Diverso. O que achou da iniciativa?
O Brasil Diverso tem sido uma continuação do São Paulo Diverso e é fundamental a gente seguir com essas iniciativas. O mais importante pra mim é ter os envolvimentos dos CEOs. Na minha experiência, se a gente não se envolver e não der o exemplo para a empresa, vamos sair bem na foto, vamos dizer que fazemos também diversidade, inclusão, mas temos que ser proativos.
O senhor fez um post corajoso em uma rede social direcionada ao mercado de trabalho, no qual revelou o depoimento de um colaborador que ouviu numa entrevista de recrutamento que a empresa não empregava negros ao cargo por ele disputado. Como foi isso?
Foi uma surpresa. Na verdade, eu só estava querendo ajudar um amigo meu. Estava muito chateado com o que tinha acontecido e foi mais um desabafo. Tanto é que eu falei com ele, mostrei o texto para ele antes, e aí eu postei lá. Em duas semanas teve mais de 500 mil views, 1.500 comentários. Eu fiquei muito surpreso, mas também assustado com tanta repercussão. Não foi minha intenção criar toda essa polêmica naquela época. Eu até pensei em tirar o post, polemizar não era a intenção. Mas resolvi deixar, ia sair de férias e não poderia responder. Aí pensei: vou deixar. Se está tendo esse impacto, deve ser por algum motivo. Foi interessante porque tinha muitos negros pedindo pra não parar, para continuar porque se fosse uma empregada doméstica que tivesse colocado o post não ia acontecer nada.
O senhor acha que, no caso, se fosse o negro discriminado a colocar o post teria a mesma repercussão?
De jeito algum! Diriam que era mimimi do tipo “lá vem o pessoal do movimento negro querendo reclamar”. Como eu era um branco, um CEO, parece que foi um grito, um alerta. Na realidade o alerta veio muito mais quando eu comecei a receber os comentários dos negros pedindo para eu não parar e falando que era isso mesmo e que era uma vergonha o que estava acontecendo, que se sentem discriminados, que não têm oportunidade. Mas o que me chamou mais atenção foram as pessoas que me mandavam mensagem diretamente dizendo que eu deveria colocar a minha opinião porque eles têm medo de perder seus empregos. Mulheres falando que, se um homem negro é discriminado, com a mulher negra é muito pior. Além de sofrer assédio moral, sofrem assédio sexual muitas vezes no trabalho. Fiquei sabendo também do cabelo crespo, que tem empresas que mandam uma circular pedindo para as mulheres negras alisarem os cabelos. Comecei a ver que a situação é muito mais profunda do que eu tinha imaginado, muito pior. Depois desse momento, obviamente, conheci muito mais pessoas envolvidas na causa e realmente abriu-se um novo horizonte para mim. Você, Maurício Pestana, foi uma pessoa que muito me ajudou a entender mais desse assunto inclusive os aspectos históricos do problema.
O senhor tem aprimorado sua fala sobre a questão racial, saiu um pouco do patamar do mercado de trabalho para outras questões mais complexas. Fale mais sobre esse momento.
O que eu digo hoje olhando um pouco para trás, é que nós, como brancos, conhecemos um Brasil que é o Brasil dos brancos. Aquele Brasil de elite que você vai ao restaurante e só tem branco, onde os negros talvez façam o trabalho não privilegiado, como estacionando carros e trabalhando como segurança. Os clientes são os brancos. É um outro Brasil. Eu chamo isso daí de um apartheid velado. Na verdade, não é nada agressivo, mas existe em nosso país. Quando você começa a conhecer pessoas da comunidade negra, pessoas maravilhosas, juízes, advogados, promotores, executivos, muitas mulheres empreendedoras, você vê que é outro mundo e estou descobrindo que tem um Brasil maravilhoso que a gente não conhece, a gente como branco. Eu posso falar que hoje eu conheço um Brasil completo, que tem outro lado, o Brasil que é maravilhoso, que eu só lamento não ter tido antes essa interação de pessoas como eu estou tendo agora. Maurício, você foi um dos meus mentores nessa jornada, foi a primeira pessoa negra fora da empresa com quem eu conversei sobre a causa da integração racial corporativa, abrindo meus olhos também em vários aspectos.
A decisão de empregar negros, mulheres. LGBTq+ e tornar o ambiente mais diverso ainda passa pelas mãos do CEO?
Eu diria que sim e que não. Porque eu, como CEO, sempre dependi das pessoas, sozinho a gente não faz nada. E eu sempre digo: a questão do preconceito, do racismo, vem do viés inconsciente. Quando dou as minhas palestras normalmente todos os executivos concordam comigo e dizem que não haviam pensado nisso. Mas é verdade, nunca caiu a ficha e com isso alguém vai dizer que estou errado, mas aí eu falo assim: “Mas se vocês acham que eu estou certo, por que que a gente não faz quase nada ou faz tão pouco?” Aí é que está. Se fosse fácil eu não estava falando sobre isso agora. A verdade é essa. É que é muito mais complexo do que imaginamos. Só se eu fosse o dono da empresa e contratasse todas as pessoas, é que eu poderia te assegurar que seria 100% correto. Eu dependo dos demais colegas e gestores que contratam pessoas e se eles não se mobilizarem e comprarem a ideia e abraçarem a causa, não vai mudar nada. Nem toda empresa é uma ilha perfeita. Trabalhei com pessoas que não concordam comigo, isso é todo um processo e eu tenho certeza que na maior parte das vezes são inconscientes, as pessoas não fazem de propósito, simplesmente não caiu a ficha para pensar que se realmente eu não fizer nada pró diversidade, não vai mudar nada. No Brasil temos a tendência de achar, a gente reclama de muita coisa no Brasil achando que é para outra pessoa resolver o problema. E temos que aprender, como brasileiros, que se não fizermos nada, não vai mudar nada. Para mim a inclusão racial é fundamental para o futuro do Brasil. É uma dívida histórica que nós temos com a população negra.