Quando o amor transforma
Por: Rosana Rocha
Há muitas definições para o Amor, palavra muito difundida em nossa sociedade brasileira, mas ainda com definições abertas que podem levar a um amor que não é amor. Quantas e quantas pessoas cometem atrocidades, xingam, humilham, agridem ou, até mesmo, assassinam outras pessoas em nome de um “suposto” amor? Seja amor a alguém, a uma instituição ou a uma causa. E é aí que está o erro: o amor não é uma palavra à toa, uma palavra que possa conviver com violações, privações e violências. O amor é, justamente, contrário a tudo isso, conforme definições históricas, religiosas, filosóficas e/ou científicas.
Em um dos livros sagrados mais respeitados do mundo, a Bíblia, dois trechos selecionados esclarecem o que seria esse amor. No livro de Coríntios, capítulo 13, versículo 13, há uma definição para o amor, colocando-o maior do que a fé e a esperança: “agora, portanto, permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e o amor. A maior delas, porém, é o amor”. Segundo essa passagem, a fé e a esperança – que mobilizam as pessoas, que acalmam, que orientam a sociedade – permanecem, mas maior do que elas é o amor.
Ainda dentro do conceito cristão, o amor é pregado por Jesus Cristo como um novo mandamento. No livro de João, capítulo 13, versículos de 34 a 35, Jesus aponta o amor como forma de ser reconhecido enquanto cristão: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Somente assim podereis ser reconhecidos como meus discípulos”.
Mas não é só a Bíblia que coloca o amor como um ideal maior e necessário. Saindo do campo religioso para o filosófico, Sófocles aponta que “só uma palavra nos liberta de todo o peso e da dor da vida: essa palavra é o amor”. Sócrates também esclarece que “o amor é a busca da beleza e do bem”. Erich Fromm define que “o amor é a única resposta sã e satisfatória para o problema da existência humana”. Auguste Comte define “o amor por princípio, a ordem por base o progresso por fim”. Assim, filósofos contribuem com a ideia da importância do amor para a manutenção da sociedade e de princípios civilizatórios.
Todas as definições apontadas até aqui demonstram o poder transformador do amor e são contrárias àquelas definições equivocadas de amor, utilizadas para justificarem discriminações, preconceitos, perversidades e violências, porque é o amor que liberta, que cura, que apazigua, que permanece, que responde, que civiliza… É esse amor que a sociedade atual precisa: um amor que possibilite o “ser mais”.
Como educadora, criei o Projeto A Corrente do Amor®️ em 2014. Uma educação em direitos humanos em que os alunos tinham de escolher alguma violação de direito (à educação, à moradia, à alimentação, à saúde, à cultura etc) e agir no sentido de denunciar, mitigar ou eliminar aquela violação. O Amor do projeto A Corrente do Amor®️ é o que pode mudar a sociedade. Um amor baseado nos ensinamento de Paulo Freire, amor que se compromete com a causa da libertação, que é dialógico, valente, que não manipula. Um amor destinado ao mundo, à vida, aos homens que só é possível no diálogo. Um amor, como o apontado pela educadora e ativista bell hooks, que é a combinação de confiança, compromisso, respeito, conhecimento e responsabilidade. Um amor, definido pelo psiquiatra M. Scoot Peck, como um ato de vontade, tanto uma intenção como uma ação.
Em uma sociedade desigual, injusta, intolerante, preconceituosa, discriminatória, machista, racista e violenta como a que estamos vivendo atualmente no Brasil, não há como existir esse amor, brevemente definido até aqui. Isso porque o amor, seja ele pelo conceito religioso, filosófico ou científico, tem que se basear em ações, tem que estar pautado no diálogo, no respeito, na solidariedade, na dignidade da pessoa humana. É o amor que elimina as violações de direito e as violências, é o amor que pode transformar nossa sociedade. Como aponta Peck, “nós não temos de amar, escolhemos amar”. Que possamos fazer as escolhas certas.