Nesta edição, o Raça Indica sugere o livro, O homem sem malícia, de José Irineu Filho.
O homem sem malícia, de Zé Irineu Filho
Eu odiaria o Gabriel Ferreira Filho se o encontrasse na rua, simplesmente pelo fato dele ser tão comum e complexo como a maioria dos homens negros que conheci na vida. Quase nunca sóbrio, é palmiteiro convicto e vive, literalmente, do dinheiro alheio ou do que conseguiu ganhar no jogo – poquer profissional. Gabriel Ferreira Filho, ou apenas Gabi, é o personagem principal do livro “O Homem Sem Malícia”, de Zé Irineu Filho.
“Um negro, boêmio, beberrão, jogador”. É assim que ele se identifica nas primeiras páginas do livro.
Gabriel apresenta todo tipo de estereótipo e também sinceridade que um homem negro, jovem – quase maduro -, criado de bar em bar, na maior cidade do país, pode apresentar. Por si só, isso poderia ser uma história de obviedades. Não é. É sobre a complexidade da construção e desconstrução da masculinidade negra na atualidade.
Ele tem autoestima elevada, é inteligente, um bom amante, progressista, de esquerda. Capaz de curar uma ressaca atrás da outra por vários dias seguidos e de se meter em relacionamentos “desnecessários”, simplesmente porque não se permite amar.
É também fruto de uma família numerosa e com muitos notáveis, a começar pela avó, uma liderança nata e talvez o seu maior amor; um pai respeitado e admirado no mundo do samba e uma mãe frustrada e abusiva. Ele é um caldeirão de emoções, que transborda em sexo.
Gabriel Ferreira Filho seria impossível enquanto personagem sem que Zé Irineu Filho existisse e o deixasse sair por meio de um texto duro, real, direto, excitante [sim, contém partes picantes] e, ao mesmo tempo, delicado.
Gabi é, sem dúvida, um homem sem malícia. É apenas um inconformado e carente de amor.
Arrisco a dizer, mesmo sem ter muita propriedade para isso, que o livro publicado em 2020 pela editora Córrego, com 114 páginas, é um clássico da literatura marginal, apesar do personagem viver a maior parte do tempo entre as avenidas da Consolação e Paulista – região nobre da cidade de São Paulo.
A loja virtual da editora fechou recentemente, mas o livro pode ser encontrado em grandes livrarias, como a Amazon. A versão impressa está disponível em Um Livro.
Mundo da Rua Podcast
Acompanhe também as sugestões de livros produzidos por pessoas negras, para pessoas negras e sobre pessoas negras, da nossa colunista Rachel Quintiliano, no podcast Mundo da Rua.
Jornalista com experiência em gestão, relações públicas e promoção da equidade de gênero e raça. Trabalhou na imprensa, governo, sociedade civil, iniciativa privada e organismos internacionais. Está a frente do canal "Negra Percepção" no YouTube e é autora do livro 'Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia'.