Raça Indica sugere o livro “Coroações: aurora de poemas”, de Débora Garcia, o videoclipe “Desafogo”de Anna Suav e o filme “Love Beats Rhymes, de RZA.
Coroações: aurora de poemas, de Débora Garcia
Quando a palavra insiste em sair, com violência, com pressa, com ternura, com maturidade, seja pela boca ou pela ponta do lápis, causa espanto. Quando essa mesma palavra de uma rainha de quilombo causa satisfação. Essa foi a minha sensação quando, em 2014, li o livro “Coroações”, de Débora Garcia, que reúne mais de sessenta poemas em três capítulos.
O livro é dedicado à memória de Jocelina Duarte Lopes, que ela chama de matriarca de seu quilombo. Tem prefácio do escritor Sacolinha, fundador da Associação Cultural Literatura no Brasil, e muito conhecido nos becos e vielas da literatura de rua, marginal.
Li “Coroações” de uma vez, poema por poema. Mas recomendo a leitura preguiçosa com espaço e tempo para refletir sobre cada palavra ali colocada e sobre como ela chega em você. Até porque, como a própria autora indica no posfácio, “A poesia em mim foi fecundada a partir de uma necessidade mental, física, espiritual e urgente de me expressar. um processo de autoconhecimento dolorido, delicioso e necessário”.
No primeiro capítulo, Coroa de Espinhos, com uma linda ilustração de xx, ela anuncia que “sempre estou a um passo. Do passo que preciso dar… Andei com Débora por muitos lugares nesses primeiros 20 versos. Vi mulheres, crianças, a dura realidade das ruas, tive medo, amei, me questionei e quase sem fôlego cheguei ao segundo capítulo, Coroa de Flores. Nele, pude navegar um pouco mais tranquila, seja já acostumada com o estilo da autora ou porque já sabia como as palavras chegariam em mim. Na última parte, Ojá, ganhei um presente sem tamanho. Um presente que você precisa pegar, se apropriar, uma coroa. Neste último capítulo será possível encontrar uma linda homenagem a Solano Trindade, a que ela se refere como “Poeta do Povo”.
Terminei o livro desejando que alguns poemas sejam musicados.
Débora Garcia é poetisa, cantora, atriz, gestora e ativista cultural e assistente social. O livro é independente, tem 103 páginas e pode ser encontrado em livrarias que apoiam escritores/as independentes, também naquelas especializadas em poesia e literatura negra, e na Amazon.
Desafogo, de Anna Suav
Quando o ritmo e a poesia se encontram surge o rap. Por décadas, esse é um gênero musical predominantemente dominado por homens. As mulheres estavam lá, desde o começo, ainda que com menos recursos e repetidamente invisibilizadas.
Mas elas simplesmente não desistem e, a cada ano, seja com a palavra falada, seja com a palavra cantada, surgem aos montes com uma brisa de esperança. Lá do norte do país, do Pará, soube recentemente de Anna Suav. Mulher, negra, poeta, mc, cantora, compositora e bruxa, conforme descreve uma plataforma de streaming. nascida em Manaus e radicada em Belém, Anna Suav declama a mais dura poesia do rap a partir de uma perspectiva feminina e feminista.
Em “Desafogo”, música de quatro minutos, ela coloca em prática, na minha humilde opinião, o quinto elemento do hip hop, “Conhecimento”. A prova está no último verso: “afinal que sentido existe em um livro fechado?”.
Love Beats Rhymes
Tive que me segurar para conseguir chegar ao final porque tenho um crush com o Common e ele está lá fazendo o papel de poeta e organizador de sarau de poesia. Também tive que me segurar porque Jill Scott faz a professora Dixson, brilhante, às vezes má, espetacular e esposa do personagem de Common (Coltrane).
O filme dirigido por RZA é de 2017, tem uma hora e 45 minutos e estrelam Azealia Banks, Lucien Laviscount, Jill Scott. Completam o elenco Common e Jeremie Harris e está disponível na plataforma Netflix.
Azealia faz o papel de Coco Ford, uma rapper promissora que se matricula em um curso de poesia e encontra dificuldades para provar que seu rap também é parte do gênero da poesia. Além desse clássico e antigo conflito que, por vezes, desvaloriza o rap diante da poesia e também da música (acredito eu que já superado).
Love Beats Rhymes é um drama musical , açucarado e perfeito para as tardes de domingo. Desafia a personagem principal a encontrar sua própria voz.
Você, possivelmente, vai torcer pela mocinha, vai querer ser a professora Dixon ou o seu marido Coltrane. Vai querer ser o público nas competições de poesia. E como todo mundo gosta de final feliz, o ápice do filme está realmente no encontro do amor, com o lirismo da poesia e com a velocidade e emoção do rap.
Jornalista com experiência em gestão, relações públicas e promoção da equidade de gênero e raça. Trabalhou na imprensa, governo, sociedade civil, iniciativa privada e organismos internacionais. Está a frente do canal "Negra Percepção" no YouTube e é autora do livro 'Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia'.