RACISMO PRECISA CUSTAR CARO
A parte mais sensível do “corpo” humano é o bolso!
A frase adaptada resume, perfeitamente, a realidade do mundo corporativo. Dinheiro é o rei. Ou “cash is king”, do inglês. Dinheiro, lucro são norteadores de quase todas as organizações. Qualquer mudança, adoção de processos sustentáveis de produção, ou de ações afirmativas e programas de inclusão, passam pela avaliação míope do “quanto a gente vai ganhar com isso aí?”.
Infelizmente, quando se trata de racismo, entre outras tantas questões de diversidade e inclusão, a conta ainda não fecha. Apesar de toda mídia e atenção que situações de injúria racial geram, o crime ainda compensa. Ou alguém aqui acha que uma indenização de 10 mil reais por danos morais vai fazer falta pra quem fatura milhões? Seria o mesmo que alguém, que ganha um salário mínimo, pagar 10 reais de indenização por chamar alguém de macaco.
Há dois anos, fui vítima de injúria racial. A pessoa que cometeu racismo até hoje está impune. O caso segue na justiça, sem previsão de solução nem garantia que o réu pagará pelo que fez. A coisa é desproporcional. A vítima é quem precisa correr atrás. O empresário, no caso, segue livre, vivendo normalmente, enquanto os meus gastos com advogados, taxas, já somam 30 mil reais. Além das muitas horas de reuniões e depoimentos em delegacia. É como ficar preso no trânsito. O semáforo abre e fecha e você não sai do lugar. Indefinidamente.
Infelizmente, poucas pessoas têm grana e disposição para correr atrás e fazer barulho – por isso tantos casos de racismo se silenciam. E esse abismo se fortalece também por medo, descrença na justiça, desconhecimento do que é racismo e dos próprios direitos. Situações como a morte do João Alberto, há três anos, dentro do Carrefour, e que gerou uma multa milionária – que nunca reparará a tragédia em si – são uma exceção.
Não é exagero dizer que: permitir que pessoas pretas sejam seguidas no mercado, tenham a bolsa revirada, sejam levadas para a salinha, chamadas de macaco (a lista de ofensas é grande) ainda sai mais barato do que promover transformações nas empresas. No máximo, a pessoa porta-voz vai aparecer na mídia, pedir desculpas, ou falar que é mimimi. Se tiver ação na justiça, talvez argumente que a empresa gera emprego e que metade dos colaboradores, inclusive, é pessoa preta. E, pasmem, de repente, quem comete diretamente racismo arranja até uma avó preta, uma namorada da comunidade, no tempo da escola. Se as desculpas não colarem, vai pagar 10 mil reais de danos morais, outros cinco mil de advogada e, no dia seguinte, tudo segue igual.
E se o cenário fosse diferente, se o crime de racismo saísse caro? Se, assim como não pagar pensão alimentícia, ser racista der cadeia? Seria um avanço, com certeza. Mas não podemos ser ingênuos e achar que isso resolveria o problema pela raiz. O buraco é mais embaixo. Tem mais camadas que cebola. Estamos falando de ódio, de desigualdade, de separação, de ego e das histórias compartilhadas ao longo dos séculos e que nos fizeram normalizar absurdos, como o racismo.
Não existem cadeia, nem dinheiro suficientes que mudem a cabeça das pessoas. No entanto, são ótimos argumentos para acordar quem se acha acima da lei.
Apelar para o bolso, para a perda da liberdade me soa mais didático do que qualquer palestra sobre consciência negra, manual antirracista ou imagem de pessoa negra no site e na propaganda da loja. As empresas são parte essencial da sociedade. E querendo ou não, estão envolvidas até o pescoço nas dores e problemas do mundo que vivemos. Não existe essa divisão de ser uma pessoa no trabalho e outra fora dele.
Seria ótimo se as coisas se resolvessem pelo amor. Aliás, é pelo amor que acontecem as transformações duradouras. O amor une, não separa. Só que antes, para as ações imediatas de quem não está aberto a sentir, aí é corte brusco. E se não tiver amor, que então o racismo custe caro.
Autor: Juliano Pereira