Raízes: para além do futebol
Por: Fabio Garcia Fotos: Divulgação
[TEXTO EDIÇÃO 224]
Como diz a canção de Martinho da Vila, “quem é do mar não enjoa [..]”. Não deveria causar espanto a qualquer leitor a informação da existência de clubes de remo compostos por negros no período do pós-abolição. Pouco estudados, os clubes de remo compostos exclusivamente por remadores negros aglutinaram esportistas relegados pelos clubes nos quais a cor preta da pele era um fator de impedimento à participação. No Sul do Brasil, antes mesmo da popularização do futebol como esporte de massa, surgiram clubes de remo formados por
jovens esportistas que tinham suas referências históricas inspiradas nas trajetórias de Henrique Dias, Marcílio Dias e Cruz e Sousa.
Em Florianópolis, houve duas experiências esportivas que marcaram época. A primeira, ocorrida em 1914, resultou de uma disputa “negros versus brancos”. A raia foi vencida pelos remadores negros, fato que gerou interesse da imprensa em criar um evento anual; a ideia, no entanto, não prosperou. Em 1921, surgiu o Clube Náutico Henrique Dias, com vida breve. Nove anos depois os negros voltaram ao remo no Clube Náutico Cruz e Souza, venceram em 1923, mas não levaram! A “Taça para Todos” só saiu da Federação de Remo Catarinense após interversão política de Trajano Margarida, negro, funcionário público, que gozava de grande prestígio social e político na época.
A ideia volta nas águas dos rios em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Jovens negros, pelos mesmos motivos: falta de oportunidade, segregação e preconceito, fundaram, em 1947, o Clube Náutico Marcílio Dias, em homenagem a Marcílio Dias, marinheiro afro-rio-grandense, destacado na Marinha brasileira. Segundo Juarez Ribeiro, militante negro de Porto Alegre, o clube se manteve ativo até meados da década de 1980. Foi uma entidade social de agregação e manutenção da sociabilidade da comunidade negra na cidade, tendo exercido um papel pioneiro nesse sentido no campo dos esportes, principalmente no remo, no vôlei e no basquete e com equipes masculinas e femininas.
Durante décadas, o Clube Marcílio Dias acolheu também outros projetos negros além dos esportivos, dentre os quais destacamos dois que se tornaram emblemáticos na articulação político-social, que são o Grupo Palmares, fundado em 1971 e que se reunia frequentemente nas instalações do clube e o Movimento Negro Unificado – MNU, cuja representação no RS foi criada em 1980. Espaços de resistência, os clubes negros de remo buscaram romper com os preconceitos ao longo da história. Quando você estiver diante do mar e “quiser saber meu nome, não precisa perguntar”, Henrique Dias, Cruz e Sousa e Marcílio Dias, eles devem estar por lá!