Sobre as notícias que chocam
O caso George Floyd, que ficou público no fim de maio, para mim, é um assunto que nunca será esgotado. Não apenas porque ainda reverbera em atos como a homenagem que a NFL, a liga de futebol americano, fez a ele em setembro. Mas também porque mortes de negros vítimas de violência policial levam – ou deveriam levar – a sociedade a sérias reflexões.
Trazendo o debate para a nossa realidade: sabemos que o Brasil é um país predominantemente negro. De acordo com o IBGE, em 2018 cerca de 56% da população se identificava como preta ou parda.
Também sabemos da profunda desigualdade social que nos assola. O levantamento “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, também do IBGE, revela que, entre os 10% dos brasileiros com maior rendimento per capita, 70,6% são brancos, enquanto os negros somam apenas 27,7%. Por outro lado, na base da pirâmide, a situação se inverte. Dos 10% de toda a população mais pobre do país, 75,2% são negros.
Isso mostra que, apesar de sermos a maioria da população, temos dificuldade de nos inserir no mercado de trabalho e de nele transitar rumo ao topo, alcançando cargos de gerência e de liderança – e, portanto, ganhando mais. A situação fica ainda mais grave quando percebemos que, mesmo com diploma superior e ocupando bons cargos, homens brancos ganham mais do que homens pretos ou pardos e mulheres brancas, que já normalmente ganham menos do que homens, têm rendimentos superiores aos nossos, mulheres pretas ou pardas.
Como é possível, diante desse cenário, ter motivos para acreditar que as coisas podem mudar?
De novo, recorro aos fatos.
A mesma pesquisa aponta que, pela primeira vez, o índice de alunos pardos e negros matriculados em universidades públicas brasileiras superou a taxa de alunos brancos – e chegou a 50,3% no ano passado. Nas universidades privadas, eles compunham 43% dos estudantes. Não há ainda uma estimativa de quanto a pandemia afetou esse cenário. O que se sabe é que quase 95 mil deles tiveram que deixar os estudos por não terem como pagar as mensalidades.
De qualquer forma, isso tudo é resultado da política de cotas nas universidades em 2012, que ajudaram também a tornar o racismo visível – e “debatível”.
Escancarar essa desigualdade ajudou com que grandes multinacionais implementassem ou reforçassem ações afirmativas. Esses programas acabaram se refletindo em grandes empresas nacionais, gerando outras ações positivas que beneficiam a nós, negros.
É o caso do Magazine Luiza que, para mudar a realidade de seu quadro de 40 mil colaboradores, em que negros ou pardos ocupam metade da força de trabalho, mas apenas 16% da liderança, anunciou um programa de trainees exclusivo para negros. Empresas como Bayer e P&G também criaram ações semelhantes.
Fiquemos, portanto, atentos às oportunidades que surgem. E vamos usufruir o que nos é de direito – e agora está sendo de fato.
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