#Tbt: Quatro décadas cultura e resistência negra

por FLAVIA CIRINO | fotos VINÍCIUS HAWK/ YBRASIL

Olodum é uma palavra de origem yorubá e no ritual religioso do candomblé significa “Deus dos Deuses” ou “Deus maior”, Olodumaré, não representa um orixá, mas, o Deus criador do Universo. Como opção de lazer para os moradores do Maciel/Pelourinho foi fundado em 25 de abril de 1979, na Rua Santa Isabel, no bairro do Pelourinho, um novo bloco afro, somando forças ao movimento de criação de blocos afros iniciado pelo Ilê Aiyê, em 1974, que, junto com o Alvorada, fundado em 1975, fazia contraponto a grandes blocos de trio, como Os Internacionais e Os Corujas, que dominavam o carnaval.

Conceição, Antônio Jorge Souza Almeida, Edson Santos da Cruz e Francisco Carlos Souza Almeida. A comunidade  ficou empolgada e aderiu cada vez mais aos ensaios abertos nos fins de semana, improvisados em uma quadra de chão de barro nos fundos do Teatro Miguel Santana. O que era para ser uma opção de lazer momentânea para os moradores do antigo Maciel/ Pelourinho ganhou todo o mundo, transformou-se em uma das mais importantes instituições da cultura negra afro-brasileira.

Na sexta-feira de carnaval de 1980, foliões vestidos com adereços nas cores branco e vermelho desfilaram pela primeira vez no novo bloco afro da cidade: o Olodum.

Com ajuda mútua, os integrantes do grupo e a comunidade local cuidaram de tudo. Um bloco do povo negro, de um bairro pobre e discriminado, brincando na folia, chamou a atenção logo no primeiro ano de desfile.

Apesar das dificuldades, o Olodum desfilou nos dois anos seguintes. Mas em 1983 não foi possível. A diretoria se reuniu, avaliou a importância de reestruturar o grupo e convidar novos integrantes. Neguinho do Samba e João Jorge (atual presidente), ambos vindos do Ilê Ayê; Márcia Virgens, Cristina Rodrigues e outros ativistas ligados à luta contra o racismo aceitaram o convite e ingressaram no projeto. Na recon guração, o Olodum deixou de ser apenas um bloco de carnaval para se transformar em uma organização não governamental (ONG), o Grupo Cultural Olodum.

A adoção das cores internacionais da diáspora africana – vermelho (o sangue), amarelo (o ouro da África), preto (o orgulho do povo negro) e o branco (a paz mundial) foi crucial para a afirmação identitária da marca que hoje é a maior referência da Bahia, fora do estado.

Ao citar a Bahia, a palavra Olodum ganha destaque. As mulheres foram incorporadas à diretoria, com Cristina Rodrigues eleita presidente. Aliás, a  gura feminina, para o grupo, tem um significado especial. Anualmente, é escolhida a Mulher Olodum, o símbolo da participação da mulher no dia a dia do trabalho desenvolvido pelo bloco. O objetivo dessa premiação é, também, homenagear o papel da mulher na comunidade Maciel/Pelourinho. João Jorge, 62 anos, acredita que foi uma mudança radical: “Demos um viés cultural, social, político, ligado às pautas e lutas do movimento negro, com atividades socioculturais durante o ano inteiro”. Apresentações ao lado de artistas internacionais, como Michael Jackson, Paul Simon e Alpha Blondy tornaram o bloco internacional. Aos 40 anos, o Olodum permanece cantando a cultura negra, com letras que reforçam as influências africanas.

Olodum social

Ao longo dos anos, o Olodum desenvolve ações afirmativas na cidade de Salvador, mais especificamente no Pelourinho, onde possui sua sede – A Casa do Olodum -, combatendo a discriminação social, estimulando a autoestima e o orgulho dos afro-brasileiros, defende e luta a  m de assegurar os direitos civis e humanos das pessoas marginalizadas, na Bahia e no Brasil, principalmente. Durante cinco anos, foi desenvolvendo o processo de construção e evolução do bloco, com ensaios da percussão, que posteriormente, transformou-se na Banda Olodum, o grande motor socioeconômico do Olodum.

Em 1983, foi criado o Projeto Rufar dos Tambores, hoje chamado Escola Criativa Olodum. No início tinha a intenção de ensinar às crianças moradoras do Maciel–Pelourinho que  cavam na rua a tocar um instrumento. A iniciativa transformou as ruas estreitas do Pelourinho em salas de aula a céu aberto. Os alunos aprendiam a tocar sob a orientação do mestre Neguinho do Samba (1955-2009). O resultado desta iniciativa se constituiu na primeira Banda Mirim Olodum, composta por crianças moradoras do Pelourinho. Foi desse projeto que surgiram os três atuais maestros da banda-show do Olodum: Bartolomeu Nunes, Andréia Reis e Gilmário Marques.

Já em 1984, foi criado o Grupo Cultural Olodum, com a experiência adquirida com o Bloco, inicia uma caminhada de melhoria e elevação do nível cultural da comunidade do Maciel – Pelourinho, em particular as crianças que ali moravam.

O objetivo principal da criação do grupo Cultural Olodum era desenvolver um projeto de cultura e educação para as crianças que viviam na comunidade. Até 1983, os grupos afros apenas eram identificados como grupos que tocavam músicas de origem africana. Somente após as iniciativas de renovação do Olodum como a criação da Escola Criativa, Banda Mirim, entre outros, os blocos passaram a se comportar com mais autenticidade, assim, o processo iniciado pelo Grupo Olodum com as crianças do Pelourinho, busca o entendimento da realidade através da arte, da música fazendo análises do contexto em que vivem e com quem se relacionam, passando a ser um campo de significação. Em 1987, a composição “Faraó”, se tornou um marco da música baiana e alavancou o sucesso do grupo, porém os objetivos eram mais profundos. “Queríamos transformar o carnaval festivo em ações afirmativas dentro das comunidades negras”, afirmou João Jorge . Com 11 discos no Brasil e 25 lançados ao redor do mundo, o Olodum é responsável não apenas pela formação cultural, educacional e pedagógica de centenas de jovens, mas pela geração de empregos e renovação de esperança de uma verdadeira nação.

Cultura e educação

A Banda Olodum é composta por 19 músicos sendo 03 cantores, 06 músicos de harmonia e 10 percussionistas, estes oriundos em sua maioria do projeto social iniciado em 1984. Lucas Di Fiori oriundo da banda mirim é um exemplo de que a educação não formal proporciona crescimento intelectual e aproxima a formação de cidadão emancipado.

A Banda Olodum já percorreu 35 países do mundo, milhares de cidades, apresentando a música para mais de 20 milhões de pessoas em toda sua história, destacando-se como importante instrumento na luta contra o preconceito e discriminação, além de valorizar e incentivar a autoestima do povo negro e suas comunidades.

“Ainda há muita resistência ao trabalho que realizamos, em função daquilo que nós pregamos: paz, cultura, excelência, e ciência, inovações, modernidade, respeito à tradição, convivência com os mais velhos, com os jovens, a integração das mulheres e uma organização não racialista, pelo contrário, uma organização pan-africana, plural, da diversidade”, enfatiza João Jorge.

O grupo segue sua trajetória alertando sobre os fatos do mundo atual com o olhar na contemporaneidade. As ações afirmativas e socioeducativas do grupo são também ressaltadas nas novas mídias, com grande força nas redes sociais, sem deixar de lado a reflexão. Tanto na Escola Criativa quanto na Casa do Olodum, debates e seminários são constantes.

Banda Mirim

Oriunda da Escola Olodum, a Banda Mirim Olodum, formada por crianças de 7 a 15 anos, também ganhou o mundo e é conhecida internacionalmente, o que refirma a importância do Olodum para a Bahia e o Brasil, como reflexo no processo de formação de talentos artísticos culturais. Dessas ações, nasceram outros projetos como o Festival de Música e Artes do Olodum (FEMADUM), criado originalmente como um festival de música para selecionar canções para o carnaval do bloco afro Olodum. Atualmente é o mais importante evento público de música e artes afro do Brasil. Concorrem no Festival, músicas em duas categorias, o Samba Tema, com composições que devem referir-se ao tema do bloco e o Samba Poesia, que são composições livres que tratam de aspectos da cultura afro-brasileira e/ou referentes ao Olodum, enquanto organização cultural. No carnaval, quando o lúdico e o artístico se encontram, que o Olodum celebra a realização do seu objetivo maior, a valorização e o respeito à cultura negra. A diversidade de elementos reafirma a importância cultural das simbologias e significados não somente para a população baiana, mas brasileira e mundial.

“Agora, em nossos 40 anos de Olodum, se aqui Neguinho do Samba estivesse, eu diria à ele: Olha o que você fez! Veja que obra de arte, que obra prima da música mundial. Ao reger uma orquestra de tambores, ao criar o samba-reggae com ritmos diferentes, ao ter registrado isso no disco do Olodum Núbia Axum Etiópia, Neguinho do Samba, você entrou para a história da música mundial com seu talento e sua genialidade”, diz João Jorge, emocionado. 

Força feminina no Carnaval 2020

Houve uma época em que a inscrição de mulheres no Olodum era negada. Até que Neguinho do Samba bateu o pé e autorizou a participação feminina, há 33 anos. Andreia Reis foi a primeira maestrina de percussão do grupo. Será com o tema “Mãe, Mulher, Maria Olodum – Uma História das Mulheres”, que o principal bloco afro do país desfilará neste carnaval. O tema é inédito na história dos blocos afros.

“Conta a história do poder da mulher, desde Lucy (fóssil de 3,2 milhões de anos, descoberto em 1974 na Etiópia) passando por Ranavalona (rainha de Madagascar), até chegar em Viviane Barbosa (cientista, engenheira química e bioquímica baiana). Podemos retratar o desempenho feminino na arte, ciência e tecnologia, de forma a evidenciar o papel de excelência que a mulher desempenha pelo mundo afora”, enfatiza Ritinha, responsável pela coordenação de produção e produção executiva da banda, uma das muitas mulheres aguerridas e apaixonadas pelo Olodum.

Assim como ela, Valdemira Telma de Jesus Sacramento, a Negra Jhô, que ao lado de Dora Lopes ilustra esta reportagem, ressalta a força feminina. “A nossa capacidade é inegável e vai além do empoderamento”. Para o presidente do bloco, João Jorge, o Olodum depende da força da mulher para continuar representando as culturas de matriz africana e povo negro.

“A Mãe, Mulher, Maria-Olodum está presente desde a mitologia, desde a história antiga do ser humano na África. Estamos contando o que as mulheres têm feito e ao mesmo tempo destacando que homens podem parar com esse machismo, com o feminicídio, com a diferença de salários, desemprego e outros. Será tudo muito alegre, com um visual leve e ao mesmo tempo com o potencial dos blocos afro, de afoxés de terreiro. A cultura afro é muito ligada às mulheres. Quem vê os tambores coloridos não imagina que eles também sejam tocados por mãos femininas. Temos hoje muitas mulheres importantes no Olodum”.

O Rei do Pop se rendeu ao som do Olodum

Era uma tarde se sexta-feira de fevereiro, quando começou a gravação do videoclipe de “ ey Don’t Care About Us”, uma das músicas preferidas de Michael Jackson. Ele já tinha feito um clipe desta canção e não gostou. E foi então que convidou Spike Lee para dirigir um novo clipe, solicitando que fossem pesquisados sons de tambores da África, Cuba e América Latina. O renomado diretor indicou o som dos tambores do Olodum, o samba-reggae.

Na tarde do dia seguinte, um sábado, Michael chegou. Foram dois dias de verão nos quais o Pelourinho e toda a cidade de Salvador entraram para a história. O cantor usou uma casa adaptada como camarim e da sacada acenava para a multidão que, extasiada, o reverenciava. Spike Lee solicitou a camiseta do Olodum. Contou que quando Michael passou na van viu pessoas vestidas com ela e adorou, definindo naquele momento qual seria o seu  figurino?

Palavra do presidente

João Jorge Rodrigues, além de presidente do Olodum, é mestre em Direito pela Universidade de Brasília e membro do conselho da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). Recentemente foi escolhido para integrar a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, na condição de membro consultor.

“O Olodum é um pilar da condição musical, cultural e de resistência negra. Um bloco simples que se tornou uma luz para o movimento negro e a cultura.”

Sou muito feliz por tudo o que fiz com meus companheiros e companheiras no Olodum, por tudo o que produzimos, pelo que conseguimos fazer, matar a charada resolvendo equações bem difíceis. Os sonhos de um jovem garoto preto do Centro da cidade de Salvador, da rua do Bispo, do coração Brasil, na Bahia, era levar pessoas aos quatro cantos do mundo. Nossa experiência é respeitada no coração do continente africano pela vivência e história que temos. Gostaríamos muito de ser parecidos com o Congresso Nacional Africano. Ter uma história parecida com a de Mandela ou de Martin Luther King, Malcom X, Thomas Sankara, Agostinho Neto e não é que no fundo estamos sendo um pouco isso, apesar da realidade brasileira, da dureza, do preconceito, da tragédia que é a desigualdade? A esperança do Olodum é algo que nos enche de orgulho. Temos uma felicidade ímpar de dizer: Vencemos! A ideia anterior era “venceremos”.

Sabemos que ainda há muito o que fazer, mas já estamos prontos. É questão de ter oportunidade. Dar mais à Bahia, ao Brasil , levando paz, cultura e ideias boas, principalmente ideias do pan-africanismo.

FICHA TÉCNICA:

MAQUIAGEM: NICOLAS BORGES

HAIR: SALÃO PRETA BRASILEIRA

PRODUÇÃO DE MODA: GLEIDSON LINS

TRATAMENTO DE IMAGEM: VINÍCIUS HAWK

PRODUÇÃO EXECUTIVA: PAULO HENRIQUE ALBUQUERQUE E

CLÁUDIA ZANONI / GRUPO YBRASIL

COORDENAÇÃO GERAL: FELIPE MONTEIRO

ESTÚDIO: GRUPO YBRASIL

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