Thobias da Vai-Vai, do Jardim Peri e do mundo

Uma das maiores figuras do Carnaval brasileiro, Thobias da Vai-Vai relembra sua trajetória, a luta contra a Covid-19 no início deste ano e deixa uma mensagem importante sobre o futuro.

A saudade que todos nós sentimos de ver o sambódromo do Anhembi, passarela do samba de São Paulo, iluminado pelas cores e luzes das escolas de samba com certeza bateram mais forte no coração dos sambistas.

Thobias da Vai-Vai é um deles. Edimar Tobias da Silva, de 62 anos, um dos mais conhecidos intérpretes da tradicional escola de samba de São Paulo, Thobias passou 35 dias internado após contrair Covid-19. O músico ficou 9 dias intubado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) de um hospital da zona norte de São Paulo e recebeu alta em 22 de abril de 2021. Mesmo após a alta, teve que fazer sessões de hemodiálise e fisioterapia para recuperar a massa muscular. Além de realizar tratamento de recuperação da capacidade motora, pulmonar e vocal.

O vice-presidente e presidente de honra da Vai Vai inicia nossa conversa honrando os pais e a criação dedicada que recebeu quando morava no Jardim Peri, zona norte de São Paulo. O sambista também dividiu conosco suas impressões sobre esse momento pandêmico, evidenciado a importância da educação para o futuro pós-crise da Covid-19.

O Thobias do Samba todos conhecem, mas queríamos que você falasse um pouco mais do cidadão negro Thobias, onde nasceu, cresceu, quem eram seus pais. Conte um pouco sua história.

Sou nascido e criado na periferia de São Paulo, Jardim Peri, zona norte. Sou o mais velho dos quatro filhos d dona Terezinha e do seu Mateus, já falecidos. Todos tgêm nível superior, menos eu. Fui formado na escola de samba (risos).

Lembro do meu pai contando que quando veio de Minas tentou emprego de faxineiro e garçom, mas não admitiam negros.Depois de muito custo entrou na CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos) como cobrador, ondee se aposentou por tempo de serviço e formou todos os filhos. Foi no Jardim Peri meu primeiro contato com o samba. Lá tinham rodas de samba na década de 70 com luz de lampião, já que não tinha energia elétrica. São muitas lembranças e acontecimentos, pessoas que deixaram saudade como o padre Toninho, que me convidou, em 1988, para participar da fundação da Pastoral Afro da Igreja Nossa Senhora Achiropita.

O legado deixado por ele é visível até hoje nas celebrações e festas. Minha primeira viagem internacional foi para Curaçao e Aruba. Graças ao samba conheci vários países, estive três vezes na Nigéria com um elenco de 30 pessoas participando do Carnaval deles, que acontece em dezembro. Em Moscou, estivemos em 2001 com 100 pessoas na principal avenica, participano de um festival de cultura e teatro.

Você sempre se posicionou politicamente com relação ao Brasil, como vê nosso momento político atual?

Hoje eu tenho um sentimento de muita tristeza com relação ao momento político no Brasil, pois o ódio e a estupidez protagonizam uma luta desigual contra aqueles que lutam por um país mais justo. Falam tanto de Deus, mas se esquecem que a essência dos ensinamentos deixados por Jesus é o amor, a fraternidade e a solidariedade. Nós vivemos um momento que requer reflexão e muito equilíbrio. Mas como diz o ditado “aqui se faz, aqui se paga” ou “quem semeia vento colhe tempestade”. Em 2022 temos que colocar o coração na hora do voto ao invés do fígado.

Em oito dos 16 títulos obtidos pela Vai-Vai, você estava à frente como intérprete, o que isso significa para você?

São 16 títulos, dos quais participei de 14 deles. Oito cantando e um como presidente. É um orgulho para mim, pois tenho a sensação de dever cumprido. Quando cheguei na Vai-Vai, fui abraçado e abençoado por Geraldo Filme e Osvaldinho da Cuica que me apresentaram outros bambas do samba de São Paulo. A primeira vez que cantei na Avenida Tiradentes foi em 1983, no Bloco
Gaviões da Fiel, tendo a honra de ter naquele momento a companhia do saudoso Armando da Mangueira como meu professor.

Sabia tudo na arte de puxar samba ou interpretar samba enredo. Naquela época eu já fazia parte da ala de compositores da Vai-Vai e os blocos desfilavam em dias diferentes. Mas foi em 1985 que eu assumi o microfone da Vai-Vai, ficando até o ano 2000. Foram 15 anos de muita responsabilidade.

O carnaval movimenta parte da economia criativa e dá sustento para diversas famílias, o que
tem chegado até você sobre a sobrevivência desta parcela importante da população que em sua maioria é negra?

Mas falando em Carnaval e escola de samba, no momento parece que a crise está passando. A prefeitura (São Paulo) já está se mobilizando pra retomar a produção do Carnaval em 2022 e com isso essa mão de obra que passou por maus momentos tem agora mais esperança de dias melhores. Incluindo aí todo segmento de bares, hotéis, restaurantes, produtores que compõem esse setor que mais sofreu comapandemia.

Você passou por um dos momentos mais difíceis da sua vida ao contrair a COVID-19, foi uma história de resistência e vitória da vida. Que lições tirou deste episódio?

Tive muitos momentos de alegria e descontração ao longo de 40 anos de carreira, mas a experiência de contrair Covid foi a mais preocupante. Foram 35 dias internado, sendo nove dias de intubação. Digo que bateu na trave, nasci de novo segundo os próprios médicos.

Todos os dias agradeço a Deus pela misericórdia. Essa doença veio trazer uma lição, um aviso. Devemos ser menos egoístas, ser mais fraternos. E como diz o poeta “nada será como antes”.

Como acha que serão os desfiles daqui para frente no pós-pandemia? Como acha que será o futuro?

Os desfiles e ensaios nas quadras serão bem diferentes. Acho que todo cuidado mesmo com a
imunização será necessário. São quase 25 anos de Revista Raça e eu festejo até hoje assim como a
Faculdade Zumbi dos Palmares, da qual sou um dos fundadores e Presidente de Honra, pois é nossa
referência. Somos mais da metade da composição étnica desse país e é preciso que os jovens tenham a conscientização que só através da educação venceremos o preconceito e o racismo.

Comentários

Comentários

About Author /

Start typing and press Enter to search

Open chat
Preciso de Ajuda
Olá 👋
Podemos te ajudar?