Trinta anos após fim do apartheid, nova geração se distancia da história da África do Sul

As leis que legalizaram a segregação racial na África do Sul durante mais de quatro décadas foram revogadas em 30 de junho de 1991. Era a primeira etapa para o fim definitivo do apartheid, consolidado nas urnas em abril de 1994, com a vitória de Nelson Mandela. Trinta anos depois, a transmissão dessa história às novas gerações perde força.

Por Romain Chanson, correspondente da RFI em Johannesburgo

“Quase fomos presos pela polícia neste lugar. Um dos passageiros do carro tinha um revólver e queria usá-lo. Consegui convencê-lo a não fazer isso e escapamos (da batida policial) sem problemas”. A história é contada com entusiasmo diante de um fogareiro à lenha pelo filho de um ex-militante da Frente Democrática Unida (UDF). No sofá da sala de sua casa em Johannesburgo, ele imita o pai martelando as histórias do passado de lutas.

Yanos Roussos de Vries tinha cinco anos em 1994 e não tem nenhuma lembrança direta do apartheid. Os relatos do pai formaram sua consciência sobre o combate contra o regime racial. “É como uma geração do pós-guerra que conta suas batalhas”, brinca o jovem que teve a infância ritmada pela história do revólver, do carro e do policial. “Cada vez que passamos na esquina dessa rua na Cidade do Cabo, escutamos a mesma história”, lembra Yanos, sem irreverência nem admiração.

Quase meio século de opressão

A história do apartheid na África do Sul foi escrita progressivamente a partir de 1948 após a chegada ao poder do Partido Nacional. Com um aparato de novas leis, um Estado racista e segregacionista foi construído, reagrupando as populações não-brancas (negros, indígenas e mestiços) em função da raça. Locais de residência, circulação de pessoas, casamentos: tudo passou a ser regido por textos escritos especialmente para facilitar a dominação de brancos.

Por parte de pai, Yanos vem de uma família mestiça (Coloured) da Cidade do Cabo. Nos anos 1960, o governo expulsou os moradores do Distrito 6, onde moravam seus avós paternos. Eles foram expulsos e a região transformada em um bairro de brancos. Cerca de 60.000 pessoas foram deslocadas à força para áreas menos nobres da cidade.

Sociedade fragmentada

Yanos tem orgulho de saber que seu pai e sua mãe lutaram contra o regime do apartheid. No entanto, ele relativiza a narrativa de uma geração que acredita ser vitoriosa. “Ainda há muitos e longos combates pela frente, mas poucas pessoas estão dispostas a se engajar”, lamenta o jovem. Para ele, hoje são necessárias lutas por maiores conquistas culturais, materiais e contra a corrupção e a burocracia.

A geração de Yanos se sente perdida em uma sociedade fragmentada. Os problemas se multiplicaram, ao contrário do “binário” século 20, quando dois blocos ideológicos se enfrentavam. “Os ex-militantes falam todos de ‘tempos difíceis’, mas com uma ponta de excitação. A maioria deles tinha cerca de 20 anos, uma luta pela frente, um inimigo e muita coesão comunitária”, salienta. Hoje, os tempos são outros.

“Quero avançar”

“Os tempos mudaram”, sintetiza sem nostalgia Mosima Nephawe. Preparada para enfrentar a vida profissional, a estudante em comunicação de 23 anos faz um paralelo entre as lutas de antes e de agora. “Não temos bolsas de estudo, não temos trabalho, mas nossos pais lutaram também por isso”, ressalta Mosima.

O pai da jovem entrou na clandestinidade para atuar no Umkhonto we Sizwe, o braço armado da ANC (Congresso Nacional Africano), o partido de Nelson Mandela. “Tenho orgulho de dizer que meu pai fez parte do movimento que lutou para que eu pudesse estar aqui », diz ela, sentada em uma mesa na calçada de um bar.

No entanto, a jovem não é ativista. Ela seguiu as últimas manifestações de estudantes sul-africanos pelas redes sociais. Em um artigo sobre a juventude, ela escreve que a cada manhã, depois que acorda, abre o Instagram para “ver a roupa nova ou o destino de viagem que pessoas com quem gostaria de parecer postaram”.

A ascensão social é o seu combate. “De onde eu venho, poucas pessoas viajam. A democracia para eles é comprar um apartamento ou um carro, e beber cerveja falando com saudade do caminho que percorreram”. Segundo ela, a história de seu pai faz parte “do passado. Eu quero olhar para frente e avançar”, afirma Mosima.

“Luxo de não se engajar”

“Conhecer o passado é indispensável para compreender os problemas contemporâneos da África do Sul”, defende Nadia Meer. A neta da militante indiana Fatima Meer vê com tristeza o pessimismo atual. “Vejo como o cansaço, a exasperação e o cinismo se instalam. Mas meus avós mantiveram a esperança em um momento de grande adversidade. Eles não pararam de acreditar que o mundo poderia ser melhor graças ao esforço coletivo”, recorda Meer.

Contra o fatalismo, Nadia resgata as lembranças da infância, como um dia “alegre e ensolarado » do final de abril de 1994, quando sua escola primária de Johannesburgo se transformou em sessão eleitoral. A fila de espera para o voto dava volta no quarteirão e se alongava pelas ruas laterais.

Nadia tinha nove anos e acompanhou seus pais que iam participar das primeiras eleições democráticas e não raciais da África do Sul. Anos de combates, de resistência armada, de boicote internacional e de negociações possibilitaram a realização da votação. Nelson Mandela foi o vencedor. Ele estava livre desde 11 de fevereiro de 1990, após uma decisão do último presidente sul-africano do regime do apartheid, Frederik De Klerk.

Nadia tem hoje 35 anos e mora em Londres. Ela sabe que, morando longe, não é a mais capacitada para criticar o comportamento da geração dos « born-free » (que nasceram livres). “Mas ainda há muitas batalhas pela frente” insiste a jovem, como “apoiar a Palestina, onde uma forma de apartheid se perpetua”.

Durante o último conflito entre Israel e o movimento Hamas que controla a Faixa de Gaza, Nadia Meer protestou nas ruas de Londres. “Seria um exagero se dissesse que meu militantismo é igual ao da minha família”, confessa. As manifestações não fazem parte de seu cotidiano e ela admite que “vivemos em um mundo onde temos o luxo de não precisar nos engajar”.

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