Uma face negra para a prefeitura de Salvador

A próxima eleição para a Prefeitura de Salvador promete. E muito. Para além da dura luta ideológica que se avizinha, entre a direita e a esquerda, impulsionado pelos Bolsonaristas locais e nacionais que ainda não se conformam de ter um nordeste dirigido de forma maciça pela esquerda e tem na cidade ainda um reduto forte de direita comandado por ACM Neto, haverá também um forte discurso racial que se iniciou na campanha “EU QUERO ELA”.
Uma campanha que começou despretensiosa, entre alguns frequentadores do Restaurante de Alaíde do Feijão, que se auto intitulam de Bancada do Feijão, e que reúne muitos ativistas e lideranças da questão negra baiana. O que parecia uma brincadeira entre amigos ganhou força e hoje é tema obrigatório em qualquer roda de conversa das cúpulas partidárias da cidade.

“Em 2006, na Noite da Beleza Negra promovida pelo Ilê Aiyê, ao final do evento, eu disse: Eu quero ela! Era a prefeitura de Salvador dirigida por uma face negra. De lá pra cá, muitas coisas aconteceram. Esse ano ganhou grandes proporções quando, no 02 de julho, fomos com toda a força pra rua reivindicando o que eu pedi em 2006, uma face negra para a Prefeitura de Salvador”, disse Vovô do Ilê.

Embora possua 85% da sua população de origem negra e seja conhecida como a Roma Negra Brasileira – cidade mais negra fora do continente africano – em seus 470 anos de existência a capital baiana só teve um único prefeito negro e por ironia do destino, nomeado durante a ditadura militar nos anos de 1970. Ele permaneceu apenas 8 meses à frente de sua administração.

Os resultados dessas seculares gestões na primeira capital do Brasil, dissociada dos interesses da maioria de sua população, são amargos e produziram efeitos desastrosos, acentuando as desigualdades raciais, econômicas e sociais entre a maioria da população de Salvador. Os números assustam: Salvador está entre as 10 cidades mais violentas do país, possui 70% de sua população morando em favelas, é líder em desemprego, em analfabetismo e a maioria da população, que é negra, vive em condições sub-humanas. A pobreza e a miséria na cidade não tem contracheque, mas tem cor. E essa cor é negra.

Parece normal para as forças políticas da cidade de maioria negra governada desde sempre pela minoria branca. O conservadorismo secular imana um discurso afiado e quase combinado de que o que importa são as ideias e propostas e não a cor da pele. O argumento funciona como se uma candidatura negra a prefeito/a não possa conter propostas, ideias, programas e ações que ao menos minimize o abismo econômico, racial e social em que a população vive desde os tempos coloniais. É como se as candidaturas de pretendentes como Bruno Reis (DEM), Léo Prates (DEM) e Guilherme Bellintani (sem partido) que estão postas no tabuleiro sucessório para 2020, pelos variados espectros políticos, tivessem um conteúdo inerente a sua origem racial e por isso mesmo dispensem a apresentação de programas e propostas que retirem Salvador desse quadro de miséria endêmica em que vive.

Quando nomes da comunidade negra baiana, como Olívia Santana- (PC do B), Vovô (PDT), Vilma Reis (PT), Sargento Isidório (Avante), Fabya Reis (PT) ou Silvio Humberto(PSB), ou até mesmo Gilberto Gil, em passado recente se apresentam para o pleito, são imediatamente tachados de despreparados, de desejarem produzir o racismo reverso e estabelecer o conflito racial nesta cidade tão ordeira e pacata e que esta não é uma questão central para o momento, etc. É o privilégio, mascarado de meritocracia, se apresentando sem dó nem piedade em defesa dos interesses dos privilegiados.

É fundamental que haja propostas que levem em conta os principais dramas da população soteropolitana. Obvio que precisamos de candidatos/as qualificados/as e que tenham compromisso com a ética, a decência e a seriedade no trato da coisa pública. Mais obvio ainda que precisamos de que tenham compromisso inalienável com a democracia. Mas, nada disso pode ou deve ser usado como obstáculo para a viabilização do encontro da cidade consigo mesma.

Um recado para ala progressista da política baiana: do mesmo modo que preparamos nossos quadros euro descendentes para o exercício do poder político, já é passada a hora de fazermos o mesmo com aqueles que não apenas são eleitores, mas os verdadeiros construtores dessa cidade e também os prepararmos para dirigir seus próprios destinos.

A introdução desta questão na agenda política eleitoral de 2020 na cidade do Salvador é a esperança de que esse tema ganhe novos adeptos, em particular nos partidos ditos progressistas da Bahia e que saia da retórica paralisante em que uma ação mais efetiva no combate a exclusão estrutural que impera em nossa cidade desde sempre.

* colaborou Maurício Pestana

Texto completo: Edição 212 Revista Raça

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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