Veja a história da negra cantora de ópera
Saiba como a mezzo-soprano Mere Oliveira conquistou seu espaço como cantora de ópera
TEXTO: Amilton Pinheiro | FOTO: Rafael Cusato | Adaptação web: David Pereira | Hair & Make: Everton Carvalho – (Gentilmente cedido pela Ophicina de Beleza, Taubaté/SP) | Agradecimento Theatro São Pedro
Quando tinha apenas dois anos de idade, Mere adorava cantar com sua mãe as músicas regionais que se ouvia em Taubaté, São Paulo, e na região vizinha. Outro gênero que ela entoava eram as músicas gospel que escutava na igreja evangélica com seu pai, pastor. “Eu nunca tive preconceito com nenhum estilo de música, gostava de cantar, fosse o que fosse. Aprendi desde cedo que a música nos liberta, nos coloca em outros estágios sensoriais. Cantar para aliviar as durezas da vida sempre foi meu lema”, revela Mere Oliveira, aos risos. E as durezas que ela enfrentou depois que decidiu seguir a carreira de cantora erudita foram muitas, a ponto de pensar em desistir em alguns momentos. E não era para menos, pois as incertezas e os percalços eram enormes. Criada no interior de São Paulo, de família negra, sem muita instrução e humilde, os seus horizontes eram bastante restritos, ainda mais pelo fato de ter estabelecido uma carreira de funcionária pública e com formação em magistério e comunicação social. O simples fato de gostar e de ter uma voz adequada para a música erudita não eram suficientes para tentar esse rumo. “Eu lembro que as pessoas que trabalhavam comigo na prefeitura sempre me apoiaram e mais ainda quando eu ganhei um concurso de intérprete, em 2001, na Argentina. Mas para ter chance nessa carreira tão disputada e difícil eu tinha que me dedicar. Sabia das minhas limitações técnicas e no tanto que eu teria que aprender. Para me tornar uma intérprete de música erudita teria que deixar o trabalho e fazer cursos, me qualificar.
E não é fácil deixar um emprego e um salário certos para tentar uma coisa tão distante naquele momento, que era ser uma cantora de ópera”, explica. Mere lembra que, certa vez chegou em casa e disse para o seu pai que cantava música erudita. Ele nem sabia do que se tratava aquilo, não compreendeu e não a motivou a seguir em frente. Mas seguindo seu sonho e sua intuição, ela foi em busca de seu sonho. Deixou um emprego de assistente técnica na prefeitura de Taubaté e foi se aprimorar. Começou a fazer cursos, como o de técnica vocal pela Escola Municipal de Música, Artes Plásticas e Cênicas Maestro Fêgo Camargo. Apesar de receber o incentivo e a admiração dos amigos, naquele momento que deixou o emprego na prefeitura, todos achavam que ela estava ficando louca.
Com um pouco de dinheiro que juntou, Mere começou, de fato, a se dedicar à carreira de cantora de ópera. Ganhou prêmios de intérprete na Argentina e no Uruguai e começou a ganhar segurança. Mas o medo ainda persistia. “Não conhecia nenhuma pessoa em Taubaté e nas cidades próximas que viviam como intérpretes de ópera. Isso me deixava temerosa a ponto de, muitas vezes, pensar em desistir.
A IMPORTÂNCIA DOS PROFESSORES E A INTIMIDADE COM CARMEN
Os prêmios foram lhe dando trabalhos e os concursos que ia vencendo ajudavam a corrigir as imperfeições e lacunas técnicas. Em 2008, ao lado de mais dezenove alunos, ganhou um curso internacional de dois anos, realizado no Teatro de Guaíra, em Curitiba e, entre os professores, dois foram primordiais na sua formação, a professora chilena e mezzo-soprano radicada na Alemanha, Graciela Araya, e o preparador vocal Vitor Philomeno. Vieram as turnês pela Europa (Hungria, Alemanha e Croácia), em 2010 e os convites para interpretar Carmen, uma das maiores e melhores personagens do repertório operístico. A ópera Carmen foi composta pelo compositor francês Georges Bizet e teve grandes intérpretes estrangeiras. “Esses professores me ajudaram a ter segurança como cantora de ópera e batalhar essa carreira tão difícil e incerta. Interpretar Carmen foi um desafio e acho que me especializei nessa personagem.” Mere já interpretou a personagem cinco vezes. Em 2012 foram duas vezes. E a personagem Carmen já rondava a cantora paulista. Em 2004, quando ainda trabalhava na prefeitura de Taubaté, ela decidiu fazer um ‘pocket’ da famosa ópera. Contratou profissionais, desenhou os figurinos, reservou o teatro da cidade e interpretou nove cenas da ópera Carmen. “Desde muito cedo, sou uma empreendedora. Se não tivesse uma porta aberta, eu abriria uma (risos). Quando decidi fazer esse pequeno espetáculo, fiz tudo, inclusive assessoria, aproveitando meus conhecimentos em comunicação social. Foram três dias de teatro lotado e as pessoas adoraram tudo aquilo, foi uma loucura na época, e eu repetiria com todo o prazer aquele aprendizado. Acho que isso me ajudou a respeitar todas as pessoas envolvidas numa grande ópera. Com essa experiência, sei da importância de todos para que a coisa aconteça, para que tudo aquilo se realize a contento”, relembra.
Por ter deixado o trabalho na prefeitura, Mere foi atrás de um trabalho que pudesse conciliar com sua profissão de cantora de ópera e encontrou no Projeto Guri (desenvolvido pela Secretaria de Cultura de Estado de São Paulo) o trabalho perfeito. “É um grande projeto de socialização pela música que o Governo de São Paulo realiza há alguns anos por todo o estado. Adoro dar aulas, porque consigo conviver com a realização dos sonhos de alunos humildes que veem na música uma chance de ter cidadania. Dou aulas em Taubaté e em Pindamonhangaba, e estou curtindo muito, pois vejo os sonhos que busquei com a música erudita projetados naqueles alunos, a maioria de famílias muito pobres. Atualmente estou dando aulas para filhos de ex-presidiários e está sendo muito legal ver a alegria estampada no rostinho deles e a importância que a música clássica passou a ter na vida de cada um”, comemora Mere.
Quer ver essa e outras reportagens da revista? Compre essa edição número 172.