13 de maio: A fila da Caixa não é um erro

Ouvi a expressão acima do mestre e professor de história, o baiano Clíssio Santana, Diretor da Biblioteca Virtual Consuelo Pondé, da Fundação Pedro Calmon/Secult/BA, em uma discussão sobre qual deveria ser uma abordagem contemporânea sobre a Abolição da Escravatura no Brasil. Para ele, nada espelhava melhor as consequências da abolição, nos termos em que foi realizada, do que a humilhante fila a que se submete milhões de brasileiros nas agências da Caixa Econômica Federal para receberem o auxílio emergencial decorrente da crise gerada pela pandemia do coronavírus.

Nessas filas, segundo ele, estão contidos todos os elementos que deram causa e perduram na relação entre o Estado brasileiro e a população de origem negra e pobre no país: a discriminação, o descaso, o desrespeito e a insensibilidade. Assim foi no dia 13 de maio de 1888 quando, numa canetada de dois artigos apenas, o legislativo brasileiro acabou com a escravidão no Brasil:

“Art. 1.º: “É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil.”

“Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.”

É bom lembrar que este ato imperfeito não foi dádiva nem generosidade de quem quer que seja. Mas sim, fruto de um vigoroso movimento popular (abolicionismo) que galvanizou boa parte da sociedade brasileira e que teve em figuras como Luiz Gama, André Rebouças, José do Patrocínio, Joaquim Nabuco e Castro Alves seus grandes expoentes.  Este ato, que completa 132 anos em 2020, em que pese ser motivo de controvérsias e questionamentos, é um fato histórico de grande relevância, até porque suas consequências se fazem presentes, em nossa sociedade, até os dias atuais.

Ou seja, mesmo tendo libertado algo em torno de 700 mil seres humanos, que não era pouca coisa à época, num país de pouco mais de 15 milhões de habitantes, a Abolição da Escravatura, da forma como foi concebida e implementada, deixou um rastro de iniquidades e desigualdades sem tamanho, que estão presentes em todos os índices negativos que acompanham a comunidade negra brasileira. Do analfabetismo à pobreza, das favelas à violência e da exclusão à discriminação, os negros/as tem sido sempre as vítimas preferenciais.

Voltando a fila da Caixa, para confirmar a tese do Professor Santana: A Caixa Econômica Federal tem sua origem e a criação dos seus fundos de poupança na população escravizada do país. Quando em 12 de janeiro de 1861 a Caixa foi criada, foram os recursos desses escravizados em busca de alforria que deram o lastro necessário ao seu sucesso. Tanto isto é verdade que quando da celebração dos 150 anos da Caixa (2011) a propaganda dizia assim: “Os escravos pouparam na Caixa para comprar um bem que jamais deveria ter preço: a liberdade”.

Pois bem, nem assim a Caixa tem o mínimo respeito pelos que a criaram e a sustentaram ao longo de sua existência. E, ao vermos nas ruas e nas TVs a dor, o sofrimento e a humilhação desses milhões de brasileiros, “pretos ou quase todos pretos”, como diria Caetano Veloso, considerados invisíveis pelo aparelho do Estado, não há como não nos remetermos para o 13 de maio de 1888.

Realmente, a fila da Caixa não é um erro, mas sim uma política do Estado brasileiro, do mesmo como fizeram os legisladores 1888, ao não indicarem qualquer política ou medida que desse conta de reparar os danos sofridos pelos milhões de seres humanos que foram vítimas da escravidão e que foram jogados na sarjeta no pós abolição.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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