Por que Samba-Rock?

O samba-rock é uma dança que surgiu no final da década de 50 na cidade de São Paulo e se espalhou pelos salões de bailes negros que tocavam música com discos, em vez de ter músicos tocando “ao vivo”. Um dos precursores desses bailes foi o Sr. Osvaldo, considerado o primeiro DJ, com a Let’s Dance, sua “orquestra invisível”. O termo “invisível” vinha do fato de que o Sr. Osvaldo, sua aparelhagem e os discos ficavam num palco, mas ocultos atrás de cortinas. Dessa forma, as pessoas tinham a sensação de que havia uma orquestra tocando, mas não podiam vê-la.

O samba-rock é um balé sofisticado, caracterizado pelo “trançar” de braços, pelos movimentos circulares e pelos sorrisos que coloca no rosto de quem o pratica.

O Sr. Osvaldo conta que o samba-rock fez muito sucesso no final da década de 60 e na de 70. Os dançarinos queriam balançar. Mas por volta de 1976 a nova geração de jovens negros começou a trocar o samba-rock pelos balanços mais pesados de soul e funk music, gêneros trazidos pelos movimentos Black Rio e Black São Paulo. O samba-rock parecia em vias de se retirar das pistas de dança.

Costuma-se dizer que o termo “samba-rock” apareceu pela primeira vez na lendária música “Chiclete com Banana”, gravada em 1959 por Jackson do Pandeiro. Antes disso, porém, Bola Sete, músico carioca, já usava o termo para classificar algumas de suas composições, nas quais misturava levadas de bateria de escola de samba, num ritmo mais lento, com solos de guitarra. Também o pianista Waldir Calmon regravou o hit “Rock Around the Clock” com uma levada de samba.

Como estilo musical, o samba-rock se consolidou a partir de um diálogo entre samba, swing, r&b e rock, mas há dissonâncias nesse campo. Jorge Ben, por exemplo, talvez o músico que mais tenha emplacado hits de samba-rock, classificava seu estilo como “sambalanço”. Poucos são os que se definem principalmente como produtores de samba-rock. O músico Branca Di Neve, na década de 80, e a banda Clube do Balanço, desde o início dos anos 2000, são algumas das exceções. Musicalmente, é um campo em que há desafios a vencer.

Na dança, por outro lado, o cenário é diverso. Pode-se dançar samba-rock ao som de músicas de vários gêneros: do samba ao swing, do mambo à bossa-nova, do r&b ao partido-alto. Por isso é que o samba-rock se caracteriza mais como dança do que como estilo musical.

Mas por que “samba-rock”?

O rock’n’roll que saiu dos Estados Unidos e conquistou o mundo na década de 50 era filho do jump blues. O maior representante do jump blues foi Louis Jordan, que influenciou fortemente Chuck Berry, Little Richard e Bill Halley. O rock também teve precursoras, como Sister Rosetta. A dança que se popularizou com a música do rock era uma variação da lindy hop, que nasceu nos salões de baile do Harlem no final da década de 1920 e fez sucesso. Os dançarinos executavam movimentos de braços, giros e saltos.

Parece que esse rock e essa dança mais pretos, misturados ao swing das big bands, é que tomaram os salões de baile brasileiros. Uma das traduções de “to rock” é “balançar”. Sim, os dançarinos queriam mesmo balançar. Depois o som de Jorge Ben, Trio Mocotó, Érlon Chaves, Aparecida, Luís Vagner, Gilberto Gil, Dona Ivone Lara e outros se tornou a trilha sonora nacional perfeita.

O samba — e especialmente o samba de gafieira — incorporou, das danças que chegavam ao Brasil, os giros, contragiros e os movimentos sinuosos de braços. Desse caldo surgiu uma dança cheia de circularidade, com proximidade entre os corpos e uma dose de saudável sensualidade. E foi ótimo.

As variações da lindy hop adaptadas ao rock’n’roll eram danças mais acrobáticas, diferentemente da lindy hop lenta, dançada ao som das orquestras de swing, e que era bem parecida com o samba-rock.

É, o samba-rock poderia ter se chamado samba-hop. Ou talvez samba-swing (samba-balanço).

De qualquer modo, o samba-rock mostra como, ao final da década de 50, nossa cultura pôde dialogar com elementos trazidos pela globalização e conservar sua energia, incorporando esses elementos estrangeiros. Também mostra que a criatividade popular é mais forte que a marginalização imposta pelas elites e dura no tempo.

O samba-rock não se retirou das pistas. Uma das suas características, desde que apareceu, é ser praticado e ensinado nas casas e festas de família das periferias, se perpetuando também, pelas mãos dos djs, nos salões de baile, especialmente os de nostalgia. Alguns bailes pretos são campos de construção de identidade e não só locais de entretenimento.

Desde a primeira década do século XXI, a movimentação em torno do samba-rock vem se expandindo. A cantora Paula Lima regravou músicas antigas. Rappers, como Raphão e Rappin Hood, experimentaram misturas com o hip hop. Coletivos, como Samba Rock na Veia e Sambarockano, surgiram. Em 2016, a partir de uma ação que envolveu artistas, coletivos e a então Secretaria de Igualdade Racial, o samba-rock se tornou patrimônio cultural imaterial da cidade de São Paulo.

Cerca de sessenta anos após seu surgimento, até o início da quarentena provocada pelo coronavírus, o samba-rock também se fazia presente em casas e espaços de cultura periféricos, estava em projetos sociais, em academias de capoeira e em academias mais identificadas como de classe média. Mesmo durante a quarentena, passos de samba-rock começaram a ser praticados a distância, em lives. A dança está muito presente na cultura preta. Dançar renova nossa energia e nos conecta com a ancestralidade. E, parafraseando Jorge Ben e Érlon Chaves, o samba-rock é coisa nossa. Sua energia ainda vai durar.

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Escritor, pesquisador e militante do movimento negro desde 1976. Formado em Filosofia pela USP, está presente em diversas antologias da Literatura Afro- Brasileira

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