O AFRODESCENDENTE NO BRASIL
Veja trechos da entrevista com o professor universitário Hélio Santos sobre a questão do afrodescendente no Brasil
TEXTO: Maurício Pestana | FOTOS: Maurício Requião | Adaptação web: David Pereira
O professor Hélio Santos é desses personagens difíceis de se começar uma entrevista. Doutor em administração pela Universidade de São Paulo (USP), autor do livro A Busca de um Caminho para o Brasil – A trilha do Círculo Vicioso e dono de uma biografia extensa, Santos foi presidente do primeiro órgão de Estado brasileiro a propor políticas públicas para negros no pós-escravidão; foi também um dos mais jovens integrantes da Comissão Constituinte de 1988. Ativista do movimento negro, tornou-se um estudioso da questão racial. Nessa entrevista exclusiva à RAÇA Brasil, Hélio fala dos avanços, desafios e perspectivas para afrodescendentes que, neste século, já aparecem como maioria do povobrasileiro.
O senhor presidiu o primeiro órgão do Estado brasileiro no pós-abolição a tratar, especificamente, do desenvolvimento e da participação da comunidade negra. O que mudou nas políticas públicas nesses quase 30 anos?
São 28 anos de lá para cá, como você frisou bem. Das 5.600 cidades brasileiras, posso dizer que nos principais municípios, grandes e médios, onde não se tem um conselho, se tem uma assessoria ou uma coordenadoria. Isto, de certa forma, ajudou muito a mudar este panorama. A SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial) é o ápice de todo esse esforço e foi criada já no início deste século após a convenção de Durban, na África do Sul.
O que falta para avançarmos nas políticas públicas de promoção da igualdade racial?
A Federação Brasileira é formada por 27 estados, com mais de 5.600 cidades. Em todas elas existe uma população negra que, aliás, é a maioria do conjunto do país. A secretaria que deve cuidar desta questão precisa ser especialista na transversalização de políticas, porque, além das questões específicas, há as características próprias de diversas áreas, como educação e saúde. Pensar em implementar políticas para essa população hoje significa monitorar; significa controle.
Como assim?
Dou um exemplo clássico: conseguimos cotas para universidades, mas sem monitoramento, o que é um tiro no pé. Temos universidades, sobretudo, no sul do Brasil, mas não conseguimos absolver nem um terço das vagas reservadas aos negros, ou seja, o controle é importante. Gerenciar estas políticas é sugeri-las, estabelecer convênios com os municípios. Essa seria uma tarefa importante da SEPPIR, mas é necessário lembrar que nós temos que produzir conhecimento.
O senhor sempre usa uma frase em que diz: “O racismo brasileiro é um crime perfeito.” Explique melhor isso.
É muito comum esta afirmação que eu vou fazer. Nós temos no Brasil um desrespeito à questão racial que poderíamos chamar de crime perfeito. Todos os novelistas que afirmam que não há crime perfeito não conhecem o Brasil. Porque o crime perfeito é aquele em que a vítima é, ao mesmo tempo, réu.
O que há essencialmente de diferente no racismo brasileiro e norte-americano?
Essa pergunta é interessante. Os Estados Unidos foram durante muito tempo uma referência para o movimento negro brasileiro, mesmo sabendo que a situação lá era diferente. No Brasil temos uma população majoritariamente negra e um apartheid brando. A força do racismo aqui no Brasil está na maneira aparentemente branda em que ele se manifesta, ao passo que a fraqueza do racismo nos Estados Unidos é exatamente a força com que ele se apresentava à sociedade.
A eleição de Obama mudou o panorama?
De forma alguma, hoje se diz que os Estados Unidos vivem uma situação pós-racial, em que a questão já não é mais um fator relevante para a agenda pública do país, porque já eles já possuem um presidente negro. Seria a mesma tolice dizer que a mulher não tem mais nenhuma dificuldade porque temos no Brasil a presidenta Dilma Rousseff. Sabemos que não é assim. Hoje a situação se inverteu, ou seja, nesse exato momento, há uma brasilianização da questão racial nos Estados Unidos em que há miscigenação de latinos, orientais, brancos e negros.
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