A África que habita em nós
Pense na África. No seu imaginário ainda há registros de uma África selvagem, com pessoas seminuas, vivendo em tribos e correndo atrás de leões? Quando temos contato pela primeira vez com a história da África pelo sistema de educação brasileiro, somos condicionados a construir como referência um território empobrecido, subdesenvolvido e etnicamente singular.
Há registros sobre a história da África identificados por documentos que datam do século VIII a.C. ao século V d.C. Segundo estudos arqueológicos e antropológicos, a origem do homem está ligada ao continente, já que foram encontrados, em diversas regiões do continente, restos de hominídeos e fósseis de homens de Neandertal.
Aquela região do planeta tem uma população de 1,216 bilhões de habitantes, é formado por 56 países em uma área territorial de 30.370.000 km. Na parte Norte do continente, segundo a história, é o espaço mais antigo do mundo. Por lá ficam países como Marrocos, Egito, Líbia, Argélia e Tunísia, que estão junto ao Mar Mediterrâneo. Entre os grandes reinos que se desenvolveram por lá, destacam-se os reinos de Ghana, Mali e Songhai, na ordem cronológica. Quando lemos esse breve resumo da história da África, fica nítido que não é possível abordar apenas uma cultura ou etnia, pois o continente é dotado de uma pluralidade étnica e multicultural.
A diáspora africana, também conhecida como tráfico de africanos, nas Américas ocorreu entre os séculos XVI e XIX e no Brasil ela serviu não apenas para dar conta dos trabalhos forçados nos diferentes ciclos econômicos, pois serviu, também, para contribuir com a formação da identidade social e cultural do povo brasileiro. Ao longo do processe de desenvolvimento social no Brasil, os descendentes dos povos africanos em diáspora tiveram que criar diversas estratégias para combater o epistemicídio constantemente investido pela elite branca que historicamente deteve o poder econômico do país. O racismo e a falta de visibilidade da população negra desde o pós abolição foi uma tentativa sistêmica do Estado e das elites brasileira de apagar a história e toda contribuição que os povos da diáspora africana deu para a formação econômica, social e cultural do Brasil.
A conexão com África e suas heranças culturais foi a principal estratégia criada pelos nossos ancestrais para não perderem sua humanidade, pois foi através, sobretudo, da manutenção das três rodas sagradas do universo negro brasileiro – Candomblé, Capoeira e o Samba – que a identidade do povo negro foi preservada.
Pensar nas lutas diárias de enfrentamento ao racismo que ainda nos estigmatiza, é lembrar das dezenas de insurgências que os nossos ancestrais realizaram na luta contra a escravidão.
Sentimos todos os dias os mais diferentes tipos de racismo sendo praticado contra a população negra e a impressão que temos é que a naturalização desse crime tem se intensificado, sobretudo, nos mecanismos legais de regulação dessas práticas criminosas. Um dos casos de racismo estrutural mais recentes com ampla repercussão na mídia aconteceu no último dia 20 de maio. A estudante Ndeiye Fatou Ndiaye, filha de africanos, foi vítima de racismo por alunos brancos que trocavam em um aplicativo de mensagens. A jovem que estuda em uma escola particular na zona sul da cidade do Rio de Janeiro foi xingada e humilhada com mensagens de teor racista. O colégio divulgou uma nota de repúdio e abriu uma ocorrência para apurar os fatos, mas o que nos chamou atenção nessa história foi a reação da jovem Ndeiye e dos seus pais que, além de abrirem um processo contra o crime cometido contra a jovem, atribuíram ao Estado e ao racismo estrutural a responsabilidade pela violência cometida pelos alunos brancos do colégio onde a jovem estuda. A família de africanos sentiu literalmente na pele o peso e o tamanho do racismo no Brasil, mas como bons africanos enfrentaram o racismo com a mesma força e resiliência que o continente africano enfrentou o colonialismo europeu.
Conhecer África como ela realmente é, sobretudo essa África contemporânea, tecnologia e rica em valores intelectuais, nos permite desconstruir estereótipos e criar uma nova conexão com o nosso continente matriarcal. Amar a África é amar a nós mesmos!
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