A carreira e a fama de Gaby Amarantos

A cantora Gaby Amarantos conta à Revista Raça sobre sua carreira, a fama e até sobre racismo. Confira

 

TEXTO: Fernanda Alcântara | FOTOS: Danilo Tanaka | Adaptação web: David Pereira

A cantora Gaby Amarantos | FOTO: Danilo Tanaka

A cantora Gaby Amarantos | FOTO: Danilo Tanaka

Sucesso nas rádios de todo o Brasil, a cantora Gaby Amarantos assume sua negritude e conversa sobre carreira, música, racismo e família. Quem ainda não ouviu falar de Gaby Amarantos está perdendo a chance de conhecer uma das maiores artistas que o Brasil tem revelado nos últimos anos. Com um visual marcante e uma voz poderosa, Gabriela Amaral do Santos saiu da periferia de Belém do Pará para conquistar o país e mundo, com sua apresentação no festival de Cannes.

Nascida e criada no bairro do Jurunas – onde faz questão de morar até hoje – a cantora tem orgulho de suas origens. Com uma família de sambistas, desde pequena já cantava e dançava nas rodas de samba familiares, embora sua vontade, mesmo, fosse ser atriz. Sempre alegre, a energia que a cantora demonstra no palco é diferente do que ela apresentou no dia da entrevista: uma pessoa calma, de fala mansa, que pensa muito antes de tecer um comentário equivocado. Esta calma faz parte de uma rotina rígida do cotidiano da artista: segundo ela, ao acordar ela passa duas horas sem falar, tudo para poupar a voz. Mas ela não reclama. “Faz parte, eu faço uma coisa que gosto. Amo meu trabalho e me dedico inteiramente a ele”.

Em 2012, a paraense conseguiu emplacar seu segundo hit em novelas da Globo em menos de um ano. Depois de tocar no Brasil inteiro com “Ex Mai Love”, tema de abertura da novela Cheias de Charme – um dos recordes de sucesso na novela das 7h até o momento – , a cantora reaparece com “Beba Doida”, que integrou a trilha sonora da novela Salve Jorge. Seu sonho de ser reconhecida também como atriz começou a se tornar realidade quando fez uma pequena participação em Cheias de Charme. Ela também foi uma das atrações da série “Contos do Edgard” (Fox). O projeto é produzido pela O2 Filmes e a direção é assinada por Fernando Meireles. Isso tudo, além de outros planos, ela contou na entrevista exclusiva à Raça Brasil.

Veja trechos da entrevista com Gaby Amarantos

Raça Brasil: Você sempre quis cantar? Como você se descobriu como cantora?

Gaby: Eu sempre quis ser professora. Eu nunca tive esse repente de infância “Ah, quando eu crescer eu quero ser artista ou cantora!”, nada disso. Minha vida traçada por mim na infância era fazer uma faculdade de alguma coisa, ser professora; porém, eu sempre gostei de artes, sempre fui muito artista desde criança, queria usar roupas diferentes, etc. Eu tinha uma tia que era educadora, e fazia umas manifestações culturais no bairro – por exemplo, na época do Natal fazia a encenação do nascimento de Jesus, e eu sempre queria ser a Maria, eu sempre queria ter o papel principal de tudo. Foi então que fizeram um karaokê lá na comunidade. E, então, lá fui eu, presepeira, cantar, e o pessoal do grupo falou “olha, você tem uma voz boa, poderia vir cantar com a gente de verdade”. Eu falei “sério?”, e eles “sério!”. Até então eu nunca tinha percebido, nunca tinha nem me tocado que eu podia fazer isso. Fui pega de surpresa, mas uma surpresa muito gostosa. Então, comecei a cantar com esse grupo e não parei nunca mais.

Raça Brasil: Você tem uma carreira de quase vinte anos, mas apenas nos últimos três anos que ganhou fama extraordinária – desde o clipe “Xirley”, até a abertura da novela das sete, “Cheias de Charme”. Como você esta lidando com o sucesso desde então?

Gaby: Para mim sempre foi de uma forma muito tranquila. Exatamente nos últimos três anos, o país começou a me conhecer e eu tive essa visibilidade, mas na minha terra há dez anos eu já era muito famosa. Eu era de uma banda que foi um “bum!” no início de 2002. A banda chamava-se TecnoShow – foi a primeira banda de tecno-brega a fazer sucesso, e eu já era uma popstar lá. Por isso, eu já lidava com a fama, com o assédio, eu lidava coma falta de privacidade etc; mas, claro, que com uma proporção bem menor, mas sempre de forma muito tranquila – tanto que até hoje eu ainda moro no meu bairro de periferia no Jurunas, onde eu nasci. Isso na cabeça das pessoas é muito confuso, porque quando o artista estoura assim, ainda mais nacionalmente, primeira coisa que ele faz – até por uma questão de status, de ter que provar para a sociedade que esta ganhando dinheiro – é se mudar para um lugar com condomínio fechado, tem que comprar um carro muito caro, ou vários. Não é que eu seja contra nada disso, mas a minha filosofia de vida é continuar sendo a mesma pessoa e, principalmente, valorizar muito as minhas raízes. Então essa coisa de fama, de sucesso é uma coisa que eu não dou muita importância.

Gaby Amarantos no show "Live in Jurunas" | FOTO: Divulgação/Acervo Live in Jurunas

Gaby Amarantos no show “Live in Jurunas” | FOTO: Divulgação/Acervo Live in Jurunas

Raça Brasil: Você revelou a pouco tempo que sofreu racismo aos quatro anosem uma escola de balé. Como foi isso? Como aconteceu?

Gaby: A minha mãe queria me colocar para fazer balé e quando ela chegou comigo as pessoas não tiveram boa vontade em me matricular, nem em conversar com a minha mãe, nem em dar informação. A escola, que hoje nem existe mais, era uma escola tradicional em Belém, de classe média-alta, mas a minha mãe sempre quis o melhor para mim. Ela queria me colocar para fazer – nem que ela tivesse que lavar três vezes mais roupa para fora, mas ela queria. Na cabeça dela aquilo ia ser bom para mim; e eu também queria fazer. Então, por eu ser negra, eles ignoraram a nossa presença, e eu lembro da minha mãe sair de lá e ela me disse: “Não, minha filha, esse lugar aqui não merece você”, e eu me emociono de lembrar essas coisas. Eu estudava em escola particular, que era uma escola cara, meus pais se sacrificavam para pagar essa escola, e eu era a única aluna negra da turma. Então eu sofria muito bullying quando era criança, as minhas coleguinhas todas tinham o cabelo liso e eram loiras; ou então tinham o cabelo preto, mas liso, e eu era a única que tinha o cabelo mais crespo, encaracolado.  Elas me apelidavam e eu sofria muito com isso. Hoje em dia a gente tem toda essa preocupação do bullying na escola, mas na minha época, a escola tinha  uma assistente social que não era uma pessoa que achava que aquilo fosse algo que poderia prejudicar a educação da criança. Como eu tive uma  educação em casa e uma formação muito boa – meu pai é negro e meus bisavós foram escravos então a minha família sempre cresceu rodeada de saber como lidar com o preconceito. Meu pai sempre me ensinou muito em relação a isso, e eu nunca tive autoestima baixa por conta de ser negra, sempre me declarei negra e sempre tive orgulho de ser negra; mas isso muito por conta da minha família, a escola nunca me amparou muito nesse sentido.

Raça Brasil: Como você administra a sua carreira? Você escolhe aonde quer ir e quanto tempo quer ficar, ou fica mais presa à sua agenda?

Gaby: Outra riqueza da minha vida é poder ser dona do meu nariz. Eu tenho hoje uma sócia que é a Priscila Brasil, que é a cineasta que dirigiu o meu clipe de Xirley, a partir do qual as pessoas passaram mesmo a me conhecer. A Priscila é minha amiga há dez anos e me deu o clipe de presente. Foi ela a pessoa com quem eu sempre chorei, me abri, que sempre me ajudou… E de repente, conversando com um dos empresários que supostamente iria me empresariar, ele falou para ela: “Mas porque você não vira empresaria dela? Você fala dela com tanta propriedade, com tanto amor, você acredita tanto, porque vai procurar outra pessoa?” e foi aí que “a nossa ficha caiu” e decidimos nos juntar, criamos a nossa empresa – que se chama Amarantos Brasil – e eu sou livre. Em tudo que eu faço na minha carreira, ela respeita muito a minha vontade. Ela é a grande mentora da minha identidade visual. Por trás da minha carreira, ela é a pessoa com quem eu consigo finalmente descansar e me despreocupar, porque sei que ela está lá tomando conta de tudo e trabalha, muitas vezes, até mais do que eu – e eu nunca tinha encontrado alguém que trabalhasse mais que eu. Eu sou uma grande workaholic, mas ela consegue ganhar. Esse trabalho comigo dando certo, contribui para que eu possa abrir caminho para outros artistas do Norte. Por tudo isso, a gente encara o nosso trabalho não como um comércio, mas sim, como uma missão de vida para a gente posicionar a música, a cultura do nosso estado e os artista talentosos que tem por lá.

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