A mensagem subliminar dos adinkras

Quando chegamos em algum lugar, chegamos fisicamente e, também, por meio de nossa cultura. Falar da filosofia africana é falar de nós, da nossa cultura e do quanto ainda desconhecemos. Temos uma visão restrita, digo até clichê, sofre a África em toda a sua dimensão, como se fosse uma grande floresta, de um lugar com animais selvagens, como se não existisse uma diversidade de ambientes, como se não fosse um continente multicultural, um lugar descendente de reis e rainhas, de grandes guerreiros e líderes. O desconhecimento alimenta a estereotipização e nos empobrece como seres. Isso é lindamente explicado por Chimamanda Ngozi Adichie no livro “O perigo da história única”, que mostra o perigo da unilateralidade da História, reproduzindo apenas um único ponto de vista.

Saber que, quando os portugueses chegaram na África, encontraram civilização e as consequências desse “encontro” são sentidas até hoje nas nossas vidas. Para nós, é extremamente importante estudar e conhecer a história africana e de seus descendentes, porque somos o elo entre a história do Brasil e da África, histórias que nos edifica. Quando falamos de história, falamos do tempo, de espaço. E nós tivemos um espaço invadido, desestruturado, que nos foi tirado.

Muniz Sodré fala do pensamento nagô: “O espaço é uma cultura de diáspora africana, que é a cultura dos escravizados aqui no Brasil, que precisa se territorializar”. Quando se é capturado de suas terras, tirado de seu chão, se é desterritorializado, perdemos referências, raízes, identidade. Por isso a extrema importância dos terreiros de Candomblé que se tornam a territorialização, a continuidade, a resistência do modo de pensar e cultuar a vida, um assunto extenso e muito importante. A lógica do apagamento se dá de várias formas, da apropriação cultural, da falta de representatividade, de espaço, de linguagem…

Mesmo diante de toda a dominação, logo os africanos estabeleceram novas formas de comunicação ao usarem os adinkras para se comunicar. Inclusive ainda podemos ver alguns adinkras nas ferragens, nas contribuições deixadas pelas ruas de países colonizados. Adinkra é uma palavra nativa dos povos Akan, na região de Gana, na Costa do Marfim. São ideogramas, símbolos que representam conceitos, cada um com seu significado. Eles são incorporados a tecidos, cerâmicas, objetos, joias…

Quando dois reis entravam em guerra, o rei vencedor incluía os ideogramas na escrita Akan e os nomeavam com o seu sobrenome adinkra. Como soube dessa história? Isso me foi contado pela nigeriana Maria Chantal, que conheci em uma rede social e depois marcamos de nos conhecer pessoalmente. Soube dos adinkras quando comecei a pesquisa da personagem do meu próximo trabalho, a Justina, uma mulher escravizada, na novela “Nos Tempos do Imperador”, da TV Globo. Sabia que seria uma reconstrução de mim mesma, o que me levou a uma profunda pesquisa. Logo fui para os livros, acessei textos e vídeos de Aza Njeri, doutora em literatura africana, crítica teatral e literária e Mulherista, e da filósofa Kattiucia Ribeiro, doutora em Filosofia Africana Mulherista. Fiz um curso incrível da Aza, “África e Diáspora”, que ensina sobre o conhecimento do continente e suas afro-diásporas através de uma perspectiva rica de saber plural. Nesse curso conheci o adinkra Sankofa, que levarei para minha personagem através de um colar.

O adinkra Sankofa é representado por um pássaro com a cabeça voltada para trás, que significa “retornar ao passado para ressignificar e construir um novo futuro”. Essa filosofia africana fala de resgate, do valor de quem veio antes, da sua história, da força, do pertencimento, de território, de raízes, da sua ancestralidade como força vital.

Precisamos conhecer para construir, reconstruir novas respectivas, novos olhares. Histórias podem destruir, mas também podem reparar, resgatar, dignificar, potencializar, reerguer e construir. É movimento, é força, é potência. O conhecer é o movimento de educar, de ensinar, de compartilhar a existência. Acreditar que sua história tem valor e lembrar dela é potência de agir, é abrir portas e janelas, é acender o seu e o sol do outro.

 

*Texto de Cinnara Leal (@cinaraleal), atriz.

*Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da RAÇA, sendo de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

 

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