A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO DOMÉSTICO
A regulamentação do trabalho doméstico é o tema da coluna de Moisés da Rocha. Confira
TEXTO: Moisés da Rocha | FOTO: Divulgação | Adaptação web: David Pereira
Tentei ficar feliz com a lei que, segundo fontes oficiais, eliminariam as injustiças que se praticaram e praticam contra os trabalhadores domésticos no Brasil. Claro que, na sua maioria, mulheres e, mais claro ainda, mulheres negras. Evidentemente, o espaço não nos permite aprofundar nos primórdios desse pós-colonial hábito de crer que “se eu tenho dinheiro e ocupo uma posição social melhor, por que tenho que fazer o trabalho subalterno?”.
Estamos tratando de marcos históricos perversos, que me causam profundo desconforto, ao repensar a relação do servidor e do servido. O papel que foi destinado à mulher e ao homem negros através de nossa trajetória, desde as senzalas até os apartamentos, casas, e mansões – símbolos do luxo reservado aos privilegiados.
Apesar de todo alarde, essa nova política de regulamentação do trabalho doméstico me fez lembrar um Samba, de autoria do poeta e pensador negro Nébio Rodrigues Néri, o Neuber, que diz: “Pior que a chibata e o tronco do feitor, foi transformar o escravo em trabalhador…”. Quando autoridades se reúnem para tratar da regulamentação do trabalho das empregadas e empregados domésticos, claro que tudo isso se omite nas discussões e acordos, ao mesmo tempo em que fingem crer que basta regulamentar, que basta impor a lei e tudo estaria bem arranjado.
A verdade mesmo, é que fiquei muito feliz ao saber da regulamentação do trabalho dos empregados domésticos. Ledo engano, o meu! Aquela euforia que tomou posse de mim – incrédulo nas relações sociais e humanas no Brasil, mas ainda esperançoso – foi reavivada, pelas iniciativas de parlamentares, esquecendo-me das medidas jurídicas que aliviariam o lado dos patrões, principalmente no tocante à indenização em caso de demissão sem justa causa. Sem falar no recolhimento do INSS.
Pelo jeito, estão sempre mais preocupados com o corporativismo dos patrões. Isso nos possibilita perguntar por que, quando Getúlio Dorneles Vargas, então presidente da República do Brasil, criou a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), outorgando e reconhecendo direitos trabalhistas ao povo brasileiro, várias atividades trabalhistas, não estavam e não estão amparadas pela referida lei? Ninguém nunca se preocupou com isso? Na realidade, as trabalhadoras domésticas, mesmo após a propalada “abolição da escravatura”, continuaram a servir seus senhores, sem qualquer limite de horas e nem de salário, folgas etc. Trabalha sem reconhecimento, sem direitos, sem nada, dormindo num cubículo, chamado de “quarto de empregada”, tratada como “sub-gente”, humilhada e muitas vezes submetida aos interesses sexuais dos senhores, patrões ou os filhos destes, tendo de se manter longe da geladeira e dos mantimentos de qualidade, por proibição mesquinha e puro preconceito.
E a igualdade, a famosa e tão citada hegemonia salarial e de direitos humanos e constitucionais, não valem para os domésticos? Eu bem que quero acreditar em mudanças, em reparações, em compensações, mas… Acordo, e percebo que continuamos no país do faz-de-conta…
Quer ver esta e outras matérias da revista? Compre esta edição número 179.