Ativismo negro pelo clima

Projeto Perifa Sustentável leva mensagens de sustentabilidade para periferia

Já vimos muitos jovens brancos serem enaltecidos pelo trabalho em defesa do clima da sustentabilidade. Mas para além das fronteiras da colonização,jovens negros também realizam trabalhos de alcance internacional que busca conscientizar a população e falar para a maioria, no caso do Brasil, periférica e negra, como a sustentabilidade é importante para que tenhamos uma vida com mais qualidade. Amanda da Cruz Costa (24) é uma jovem ativista climática, nascida e criada no Jardim Almanara, zona norte de São Paulo. A jovem paulistana traz em sua pauta um debate sobre sustentabilidade e nos faz olhar através da periferia para uma politica de cuidado abrangente e, principalmente, antirracista.

Criadora do projeto Perifa Sustentável, ela nos conta um pouco sobre como se sente sendo uma jovem negra e periférica que traz, principalmente, na voz da juventude, um assunto que na grande maioria das vezes foi representado por pessoas brancas. Amanda compõe a lista “Forbes Under 30” – 2020, reconhecimento que conquistou pelo trabalho de conscientização sobre mudanças climáticas. “Para mim é uma reparação histórica, real, acredito que as pessoas pretas estão fazendo muita coisa há muito tempo, só que por conta de um racismo que é estrutural elas são invisibilizadas e excluídas desses espaços, fiquei muito feliz quando descobri que estaria na lista, fui indicada, não foi eu que me inscrevi, e fiquei pensando: ‘cara finalmente as pessoas pretas estão alcançando espaços de protagonismos, espaços de liderança, espaços de visibilidade’ e assim a gente consegue transbordar para que outras pessoas pretas também se enxerguem em nós e vejam que esses espaços também são para nós. Fiquei feliz, apesar de saber que é reparação histórica que isso deveria estar acontecendo há muito tempo, fiquei muito honrada”, conta.

Qual a importância de mobilizar a periferia em favor da sustentabilidade? Como o projeto Perifa Sustentável realiza esse trabalho?

Quando vamos falar de sustentabilidade, geralmente associamos com uma pauta de branco, rico e privilegiado da elite, que tem tempo para pensar nessas coisas. Quando olhamos para um contexto periférico enxergamos outros desafios, como a questão do saneamento, moradia, transporte e geralmente o contexto de sustentabilidade fica de fora desse debate, mas eu decidi levantar essa pauta por conta das coisas que eu pesquiso, das atividades que eu me engajei até agora.

Percebi que a sustentabilidade também pode ser uma realidade da periferia, e quando enxergamos a sustentabilidade com um olhar estratégico e não romantizado, conseguimos resolver grande parte dos problemas que afetam a quebrada, como a própria questão do saneamento, a questão do transporte, a
questão da moradia e a forma que eu tô fazendo isso através do Perifa Sustentável.

Ele nasceu como um projeto social, mas agora está virando uma organização. O Perifa é fundamentado em três pilares: as ações comunitárias, participação política e a educomunicação. Essas ações comunitárias, no sentido de trazer atividades práticas reais para que todo esse contexto fique tangível, às vezes quando a gente faz sustentabilidade fica algo muito místico, algo pouco real, algo distante. Então essas ações têm esse propósito. O
segundo pilar e a participação política. Eu atuando com o Perifa Sustentável, vou impactar a galera da Brasilândia, a galera que tá na minha periferia, mas quando a gente olha para política pública, a gente exponencializa todo esse contexto, a gente consegue ser mais amplo e aumentar o alcance da mensagem.

Então tenho trabalho também de acompanhar os tomadores de decisão, entender quais políticas públicas estão sendo votadas e como que a gente aproxima a população, principalmente a população pertencente a determinado grupo vulnerabilizado, para esse espaço, também para que a gente se enxergue na política, para que a gente se enxergue nos tomadores de decisão, para que a gente se aproprie daquele lugar e crie algo para nós, porque uma coisa é fato: se apenas tiver homem branco, hétero, cisgênero na política, esses homens brancos vão desfilar para outros homens brancos. Mas a partir do momento que a gente fiscaliza esse trabalho e coloca pessoas parecidas com nós nesses espaços, a gente consegue democratizar a política que é
como ela deveria acontecer.

O terceiro pilar é de educomunicação, então utilizar todas as mídias sociais estratégias de comunicação, de formação, de capacitação, de engajamento para sensibilizar a população periférica para esta causa. Para trazer e aproximar as pessoas nesse debate, mostrando que elas também podem ser atores fundamentais para que a sustentabilidade saia da narrativa e venha para prática.

O que inspirou a criação do Perifa Sustentável?

Em 2017, recebi uma bolsa para representar a juventude brasileira na COP23, que aconteceu em Vonn, na Alemanha. Quando fui pra Alemanha, fiquei muito incomodada porque não me via nos tomadores de decisão.

Na COP, conferência da ONU que reúne estados, sociedade civil e empresas para discutir estratégias para gente implementar o Acordo de Paris, o que eu vi naquele espaço foi um monte de homem branco, rico, velho falando a partir do meu lugar, falando sobre os desafios da juventude, sobre os problemas dos contextos periféricos e como a gente precisa olhar para esses locais, olhar para essa geração, para solucionar esse problema. Pensei ‘cara, por que que eu não tô com microfone na mão? Porque eu tenho conhecimento empírico e teórico para sustentar esse debate, tanto do que aprendo na universidade com a iniciação científica, com as minhas pesquisas, quanto do que eu vivencio todos os dias, enquanto mulher preta internacionalista e ativista.

Eu voltei para o Brasil com essa inquietação, tentei comunicar a importância da juventude periférica se engajar nesses temas, só que a galera não comprava muito discurso, não entendia a importância e não queria saber de crise climática. Foi aí que eu fiquei sabendo de um edital chamado Energy People Group que estava selecionando jovens de países em desenvolvimento que tinham ideias para transformar suas realidades. E aí eu falei ‘minha oportunidade, deixa eu me inscrever’. Me inscrevi, passei e fui para os Estados Unidos.

O programa foi totalmente financiado pela Energy e lá eu entendi com mais profundidade esse conceito de sustentabilidade e desenvolvi o que antes era uma ideia, que nasceu de uma dor. Vou para esse espaço de discussão global e tomada de decisão mas não me vejo representada, volto para minha quebrada, para o lugar de onde eu vim, mas não consigo traduzir esse debate. Então eu queria criar uma plataforma para fazer ponte entre esse local e o Global, tanto para trazer essas discussões globais, quanto para formar jovens para se apropriarem desse discurso e falarem a partir de seus lugares, para que eles não tenham suas narrativas e seu contextos apropriados e aí nasceu o Perícia Sustentável.

“Ser ativista não é apenas levantar uma bandeira, mas defender um estilo de vida”

Comentários

Comentários

About Author /

Start typing and press Enter to search

Open chat
Preciso de Ajuda
Olá 👋
Podemos te ajudar?