Caso Floyd resulta em PL para inclusão de genocídio negro no Código Penal
Nos anos 1950 o lendário Abdias do Nascimento enviou uma Carta aberta ao Chefe de Polícia do Rio de Janeiro, na qual denunciava que: ”Basta um negro ser detido por qualquer coisa insignificante – assim como não ter uma simples carteira de identidade – para ser logo tratado como se já fosse um criminoso. Dir-se-ia que a polícia considera o homem de cor um delinquente nato, e está criando o delito de ser negro”.
Meio século depois, mais precisamente no último domingo, 7 de junho, jovens negros foram às ruas em todo o país para protestar contra o assassinato do afro-americano George Floyd, da vereadora carioca Marielle Franco e dos milhares de jovens negros vítimas da violência policial típica das periferias brasileiras.
Digo típica da periferia porque, no mês passado, um morador de um condomínio de luxo de São Paulo chamou um PM de “lixo, merda, bosta, gordo fdp” e uma policial feminina de “puta do c…”, arrematando: “Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville mano!”
Atônitos, imóveis, perplexos, os PMs acionaram reforços para que o branco endinheirado e irrequieto fosse conduzido para a delegacia de polícia mais próxima.
Voltando ao funeral de George Floyd, um de seus parentes lembrou o “crime” cometido por ele: o fato de ser negro foi suficiente para que um policial se sentisse autorizado a asfixiá-lo com os joelhos até que não mais conseguisse respirar.
“Vidas Negras Importam” bradavam as faixas estampadas pelos jovens negros no último domingo (07), em passeatas realizadas no Brasil, Nova York, Paris, Canadá, Bélgica, Reino Unido, Portugal ou Japão.
O Direito internacional e interno tem um vocábulo para qualificar homicídios motivados por racismo: genocídio. Há décadas o Brasil é signatário de uma Convenção para Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio e adotou uma lei federal que pune este tipo de crime.
Não preciso dizer que estas normas jamais saíram do papel, conforme afirmei reiteradas vezes nesta Coluna da Raça.
No dia seguinte aos protestos, no entanto, um projeto de lei, 3.185/2020, foi apresentado na Câmara dos Deputados propondo que o homicídio motivado por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual, seja considerado crime hediondo e punido com pena mais severa.
Trata-se da chamada circunstância qualificadora do homicídio, motivada por racismo, intolerância religiosa, dentre outras discriminações. Genocídio enfim, equiparado ao feminicídio.
A aprovação ou não do PL dependerá de um conjunto de fatores, incluindo o poder de mobilização do Movimento Negro, mas há um dado extremamente significativo que desde já merece especial atenção: seu autor, o Deputado Federal Carlos Sampaio, é branco, oriundo do Ministério Público e integrante das elites políticas do interior paulista.
Considerado apenas este dado, afirmo sem pestanejar que a luta de Abdias, a morte de Floyd e a ousadia dos jovens negros do último domingo (07) não terão sido em vão!
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