É tradição, e o samba continua?

Um dos maiores espetáculos da terra, celebrado a céu aberto, está prestes a ser cancelado depois de décadas sendo realizado de forma ininterrupta. O processo antropofágico ao qual o carnaval foi submetido no Brasil, com a importante contribuição cosmológica dos povos da diáspora africana, se transformou em um verdadeiro marco cultural civilizatório para a formação da nossa identidade nacional.

De Norte a Sul do país, os festejos de Momo foram responsáveis diretos por criar um calendário anual que mobiliza milhares de pessoas por, no mínimo, cinco dias de folia no Rio de Janeiro e em São Paulo. E, quando falamos do carnaval no nordeste do país, esses dias se estendem por quase um mês.

Desde março de 2020, o Brasil sofre com a crise sanitária decorrente da pandemia do novo Coronavírus, que já matou mais de 70 mil pessoas. As autoridades públicas têm realizado ações de combate e prevenção contra os avanços da pandemia que cresce em escalas preocupantes impossibilitando uma previsão de diminuição ou achatamento na curva que monitora o aumento dos casos de contaminação em todo o país. Uma das medidas adotadas pelas autoridades públicas foi a proibição de shows, eventos e atividades públicas que provoque aglomeração de pessoas colocando-as em risco eminente ser infectado pelo Coronavírus.

Governos de Estados onde há o tradicional carnaval popular estão tomando medidas preventivas que pode cancelar eventos tradicionais como natal, Réveillon e até mesmo o carnaval. É o caso dos governadores da Bahia, Rui Costa, de São Paulo João Dória, e do Rio de Janeiro Wilson Witzel, que já declararam que, caso não haja uma vacina até o período do carnaval, as agendas serão canceladas.

Durante uma reunião na sede da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) no dia 14 de julho de 2020, os representantes das 12 escolas do Grupo Especial do Rio de Janeiro concluíram que, diante da indefinição causada pela pandemia e enquanto não houver vacina para combater a doença, as datas previstas dos desfiles do ano que vem (14 e 15 de fevereiro) podem não ser mantidas. Já a Liga das Escolas de Samba de São Paulo, após avaliar a situação crítica do aumento dos casos de óbitos por Covid-19 no Estado, vai propor à prefeitura uma nova data em maio ou julho para a realização do carnaval 2021. O atual presidente da Liga-SP, Sidnei Carriuolo, propôs uma reunião com os representantes das escolas de samba do Grupo Especial e de Acesso para propor uma data para o adiamento dos desfiles. Caso a Prefeitura de São Paulo não aceite a proposta, o carnaval do ano que vem pode ser cancelado.

A cadeia produtiva do carnaval movimenta milhões de reais para os cofres públicos através de impostos gerados com a compra de matérias primas além de gerar empregos diretos e indiretos com a contratação de profissionais nas áreas de serralheria, carpintaria, pintura, esculturas, aderecistas, costura e logística. Com a possibilidade de cancelamento dos desfiles das escolas de samba e das manifestações carnavalescas espalhadas por todo o Brasil, é possível afirmar que essa cadeia produtiva sofrerá um duro impacto nas economias locais. Entretanto, não há comparativos que justifiquem as centenas de vidas que podem padecer, em caso de se manter o calendário do carnaval, tudo em nome da tradição, mas para muitas pessoas o samba literalmente não poderá continuar.

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Sociólogo, músico e sambista. Autor do livro "Casa Verde, uma pequena África paulistana”.

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