Entrevista com o estudioso do racismo, Carlos Moore

A Revista Raça Brasil entrevistou o cubano Carlos Moore, estudioso do racismo pelo mundo

 

TEXTO: Maurício Pestana | FOTOS: Maurício Pestana | Adaptação web: David Pereira

Entrevista da Raça Brasil com o estudioso do racismo, Carlos Moore | FOTO: Maurício Pestana

Entrevista da Raça Brasil com o estudioso do racismo, Carlos Moore | FOTO: Maurício Pestana

Entrevistar Carlos Moore – doutor em ciências humanas e em etnologia pela Universidade de Paris e chefe de Pesquisa na Escola para Estudos de Pós-Graduação e Pesquisas na Universidade do Caribe, em Kingston, na Jamaica –, não foi uma tarefa fácil. Autor de livros profundos sobre o negro no mundo e o impacto do racismo na sociedade contemporânea, Moore traz a grande experiência de quem participou do processo revolucionário cubano e acompanhou de perto os momentos cruciais da luta dos negros por direitos civis nos Estados Unidos, nos anos 1960. Moore também morou na África, onde foi consultor para assuntos latino-americanos do secretário geral da União Africana. Em seu discurso (que mais parece uma metralhadora), não há condescendência em nenhuma instância. Para ele, o racismo é algo impregnado na esquerda, na direita, nos Estados Unidos, em Cuba, no Japão ou qualquer outra parte do planeta. É algo que faz parte de um sistema secular que iniciou seu projeto muito antes da escravidãonas Américas e um dos sustentáculos da nossa sociedade, como descreve o panafricanista – também autor da biografia do polêmico músico e ativista nigeriano, Fela Kuti, obra lançada em 2011 com enorme sucesso.

Confira trechos da entrevista com o estudioso do racismo, Carlos Moore

Quando e como começou seu despertar para a questão racial?

Pixon era o termo que os brancos me chamavam quando eu era pequeno. Nos chamavam de urubus, especialmente os negros cubanos cujos pais eram estrangeiros. Meus pais eram de outra parte do Caribe. Então, chamavam esses negros de urubus. Os outros negros, cujos pais nasceram lá, chamavam de crioulos, que era o normal. Eu era um crioulo urubu. Diziam que nossos pais eram abutres que vinham a Cuba para roubar o trabalho e comer a comida dos outros. Diziam que eram abutres porque comiam carne podre, cadáveres que desenterravam no cemitério. Cresci dentro deste ódio profundo e assim dei o título Pixon para o meu livro, que está sendo traduzido para o português e será publicado em breve.

Qual a diferença entre o racismo dos Estados Unidos e o do Brasil?

O sistema brasileiro pertence a um modelo, não a um sistema que simplesmente surgiu do nada. É um modelo que já chegou feito da Península Ibérica, não foi inventado aqui no Brasil. É o sistema árabe mediterrâneo ibérico, um modelo de relações raciais que surgiu através da conquista da Península Ibérica pelo império árabe no século 7. Os árabes que ficaram na Espanha durante praticamente 8 séculos e modelaram toda uma estrutura social, baseada na escravidão racial, ou seja, os portugueses que vieram com os espanhóis para cá, já tinham 700 anos de experiência em escravidão.

"Fela Kuti tinha uma abrangência tal porque havia muitas pessoas que estavam se dando conta de que a África estava indo mal e que havia a necessidade de se fazer algo para salvar o continente" | FOTO: Maurício Pestana

“Fela Kuti tinha uma abrangência tal porque havia muitas pessoas que estavam se dando conta de que a África estava indo mal e que havia a necessidade de se fazer algo para salvar o continente” | FOTO: Maurício Pestana

Fela – Esta Vida Puta, seu livro mais recente, está fazendo bastante sucesso. Quais pontos sobre o músico nigeriano Fela Kuti você poderia destacar?

Fela Kuti era como qualquer africano médio alienado – as pessoas pensam que na África a população tem muito orgulho racial, orgulho de sua cultura, mas estão equivocadas, não sabem que os africanos foram também submetidos a uma máquina esmagadora que ridicularizou suas línguas, suas religiões, esmagou tudo o que tinham de original –, nem sabia que havia racismo, nem sabia quem era ele, nem sabia que era africano. Mas ele foi enorme! Eu conto Fela na sua grandeza e também nas suas fragilidades. Ele não era um homem perfeito, era um homem público, muito sexista e, ao mesmo tempo, estava favorecendo a ascensão das mulheres negras africanas. Fela Kuti tinha uma abrangência tal porque havia muitas pessoas que estavam se dando conta de que a África estava indo mal e quehavia a necessidade de se fazer algo para salvar o continente. Ele sofreu uma revolução realmente cultural, psicológica e política e, imediatamente, todas as elites se fecharam contra ele. Começaram as brutalidades, inclusive, é incrível como Fela pôde sobreviver tanto tempo. Na verdade ele foi protegido por gente de dentro do serviço militar e de inteligência que não queria que ele fosse morto. O próprio chefe da polícia de toda a Nigéria protegia Fela. Cada vez que havia a intenção de matá-lo, mandavam avisá-lo para que ele fugisse. Quando conseguiam pegá-lo, a imprensa era avisada. Fela Kuti deu uma sorte enorme porque tocou o coração de gente importante como os militares.

Religiões de matrizes africanas estão perdendo espaço na própria África?

Com a aliança entre as elites africanas cristãs e as igrejas evangélicas, tem país como Moçambique, por exemplo, onde a Universal fez uma grande reunião em Maputo com 600 mil moçambicanos dentro de um estádio de futebol. Em Angola,fiquei horrorizado quando vi a imponência desses templos que a Universal está construindo. O chefe de Estado de Angola faz parte dessa igreja e muitas pessoas não sabem disso.

Quer ver essa e outras entrevistas e matérias da revista? Compre esta edição número 165.

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