Escravidão: idosa é resgatada em bairro nobre de SP

Sem salários desde 2011, sem férias, sem 13º, morando em um pequeno depósito no fundo do quintal da casa que servia, no Alto de Pinheiros, bairro nobre da Zona Oeste de São Paulo. Esta era a situação de uma idosa de 61 anos, que trabalhava como empregada doméstica, até ser resgatada por uma equipe da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), esta semana, graças a denúncias recebidas pelo Disque 100.

De acordo com o Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT), que solicitou o mandado de busca e apreensão, a idosa estava sendo vítima de agressão, maus tratos, constrangimento, tortura psíquica, violência patrimonial e exploração do trabalho por seus empregadores.

Após pagamento de fiança, de R$ 2,1 mil, a empregadora, Mariah Corazza Üstündag, de 29 anos, foi liberada. Ela, o marido e a filha, os atuais moradores da residência, responderão por omissão de socorro, abandono de incapaz e por redução a condição análoga à de escravo.

Mariah era gerente de marketing da Avon. A empresa anunciou sua demissão após denúncias de violação dos direitos humanos.

“Tomamos conhecimento de denúncias de violações dos direitos humanos por um de uma de nossas funcionárias com surpresa e muita preocupação. A funcionária já foi afastada e estamos apurando os detalhes para aplicar as medidas cabíveis de acordo com o nosso Código de Ética e Compliance e da legislação brasileira.”

A doméstica trabalhava para a família desde 1998. Ao chegarem na residência, os policiais a encontraram morando em um depósito de tralhas e móveis no quintal da casa, dormindo em um sofá velho, sem receber alimentação, sem acesso a banheiro. Uma situação de “trabalho escravo moderno”, agravada pela vulnerabilidade da vítima.

Em depoimento, moradores vizinhos do imóvel informaram que a doméstica trabalhava para os moradores da residência praticamente em troca da moradia, que por várias ocasiões a ajudavam com alimento e itens de higiene e relataram episódios de discussão e de omissão de socorro.

Após o resgate, a procuradora do MPT Alline Pedrosa Oishi Delena entrou com uma ação cautelar contra três empregadores pedindo pagamento imediato do valor correspondente a um salário-mínimo por mês à vítima até o julgamento final do processo. Também solicitou à Justiça do Trabalho a expedição do alvará judicial para que a vítima possa fazer o saque junto à Caixa Econômica Federal do seguro-desemprego, assim como o bloqueio do imóvel para futuro pagamento de verbas trabalhistas e indenizações. Os pedidos de urgência visam garantir a subsistência da vítima até o julgamento final do processo.

De acordo com Alline, o quadro se agrava no contexto da pandemia de Covid-19, pois a idosa é do grupo de risco e “porque qualquer trabalho e meio de subsistência tornam-se muito mais difíceis de serem conseguidos nesta época. Dessa forma, precisamos garantir que as necessidades humanas básicas sejam disponibilizadas à trabalhadora, que se encontra em extrema vulnerabilidade, sem casa, sem comida, sem renda, dependendo exclusivamente da ajuda dos vizinhos do local”, explicou Alline.

Divulgação/ MPT

Em decisão liminar, a juíza que conduz o caso acolheu os pedidos de bloqueio de bens e de expedição do alvará para o recebimento do seguro-desemprego, deixando para após novas oitivas a decisão sobre o pagamento de um salário mínimo por mês até o julgamento final do processo.

Segundo a procuradora, o bloqueio de bens é necessário porque a doméstica é credora de verbas trabalhistas decorrentes de sua rescisão indireta em decorrência do resgate, bem como verbas não pagas no curso do contrato de trabalho, além de danos materiais em morais, tanto individuais como coletivos. Em um cálculo inicial, esse valor pode chegar a mais de R$ 500 mil reais.

De acordo com depoimentos, desde o decreto da pandemia, os patrões não permitiram mais a sua entrada na casa, tendo sido mantido trancado o quintal e o banheiro, impedindo que a vítima realizasse suas necessidades sanitárias. Para o banho, a idosa usava um balde e caneca. Segundo consta em depoimentos, em maio a doméstica sofreu um grave acidente de trabalho e não foi socorrida, tendo passado uma semana com dores e hematomas, sem receber alimento ou cuidados.

O caso está sendo investigado pela 1ª Delegacia de Proteção à Pessoa.

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